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Quatro anos após Ft (Pt. 1), Jaloo lança Mau (2023), o seu terceiro álbum solo, e encerra a trilogia que começou com #1, lançado em 2015. Este projeto foi inteiramente composto, produzido e interpretado pela artista paraense. “O planejamento desta trilogia já existe há quase dez anos, mas Mau foi gestado durante a pandemia [de Covid-19]. Foi um período difícil de afastamento, com uma sensação de medo invisível, mas também de um movimento interno. Eu me observei e resolvi muitas coisas que estava adiando. Reflete uma fase importante da minha vida,” explica Jaloo ao Apple Music. Em Mau, a artista alia a efervescência sonora da Amazônia a uma pesquisa profunda de sintetizadores e novos elementos eletrônicos. As músicas abordam temas como sexualidade, liberdade e a dicotomia entre o bem e o mal. “O álbum tem essa simbologia de fazer as pazes com as suas sombras. A capa é exatamente isso. Eu abraço com afeto e carinho o meu lado mais obscuro, tornando-o parte de mim. Tem esse lugar de aceitação”, diz. A seguir, Jaloo revela como compôs e produziu cada uma das dez músicas inéditas de Mau. Mau “Esta música foi feita para chacoalhar as pessoas. Eu me dei o direito de ser malcriada. Não quis dizer as coisas bonitinhas que esperavam de mim. Senti que os meus fãs ficaram surpresos com isso. Tem esse elemento inesperado. Ao mesmo tempo, na superficialidade de algumas frases, eu falo dos ciclos da vida: ‘Se vou pra balada/ Nem sei como volto/ Se me arrependo/ Repito de novo’. Eu também abordei explicitamente o órgão sexual masculino, pois é algo que, para mim, mesmo sendo feminina, é um motivo de orgulho. Não é uma parte do meu corpo que eu gostaria de camuflar.” Pode “É uma das mais antigas do álbum. Eu já canto faz tempo nos shows e o público adora, mas nunca tinha lançado, então as minhas expectativas com ela são altíssimas. É uma colaboração comigo mesma. São dois momentos, como se fossem personagens – até com jeitos diferentes de cantar –, em um jogo de sedução. Quando eu volto para o Pará, que é um lugar muito úmido, as minhas vias aéreas funcionam melhor. É o meu habitat natural, uma coisa de bicho mesmo. Traz uma sensação tropical, de calor e umidade. E é também sobre sexo, que é um dos temas em que eu mais navego neste álbum, adoro isso.” Quero Te Ver Gozar “É uma pegadinha. Esta música tem um subtexto enorme. Eu utilizei um vocabulário sensual para falar de uma história triste. Quando eu canto ‘Eu fui ao samba te ver/ Queria olhar pra você, ver como tá/ Benzinho/ Achei que eu tava tão bem’, é sobre reencontrar uma pessoa de quem eu gostava, ver que ela estava plena e ótima e perceber que quem estava chateada era eu. ‘Quero Te Ver Gozar’ tem a ver com o gozo da situação, não é sobre sexo. E a sonoridade é muito simples, o sintetizador simula uma guitarra e é constante. A música que eu mais ouvi enquanto estava produzindo esta faixa foi ‘Loirinha’, da Banda Calypso.” Pra Quê Amor? “Eu luto muito contra a culpa. Se você não a enfrenta, você se prende, mas quem coloca as correntes é você. Ao mesmo tempo é uma música boba, e eu adoro isso. É sobre não pensar no amanhã, curtir sem muita reflexão. Depois de toda a narrativa, o diálogo final é assim: ‘Eu vou seguindo o meu caminho, sozinho’, e a outra pessoa responde ‘Tchau!’. Ou seja, ela não está nem aí! Eu trouxe a sonoridade para o universo do forró e do piseiro. A pesquisa sonora foi feita com muito cuidado. Eu usei sintetizadores antigos, como o de ‘Pop Corn’, do Gershon Kingsley, de 1969.” Tudo Passa “É sobre o término de um relacionamento, só que de uma forma divertida, dançante e madura. É um fim pleno e sincero, mas nem por isso leve. Incorporei alguns elementos de ska e outros de hyperpop. Escutei muito The Police e também um pouco dos Specials durante a produção, principalmente a faixa ‘Monkey Man’. O resultado ficou um ska de 2023 com batidas eletrônicas malucas. Eu acho que pode rolar até roda punk nos shows. É uma música para se libertar das coisas, incluindo aquelas pessoas que a gente quer esquecer.” Ah! “Descreve um momento que eu acho que 99% das pessoas já viveram. É quando você está em casa, a madrugada está chegando e você começa a sentir vontade de ficar com alguém. E aí aciona o seu contato e tenta convencê-lo de se encontrar. Mas às vezes o outro não está no mesmo clima. Então rola uma dança do acasalamento pelo celular. E o último som da música é o ‘Ah!’, que é um gemido. É uma música enxuta. As batidas da bateria têm harmonias, o bumbo é bem saturado para soar eletrônico e industrial. Já a caixa tem notas, o que me permitiu não usar o piano ou outros instrumentos, tornando o vocal mais limpo.” Phonk – Me “Phonk é um gênero musical popular entre os jovens, principalmente em trilha sonora de vídeos que viralizam nas redes sociais. Uma amiga que convive com crianças me mostrou, e isso caiu como uma luva para mim, pois tem esse caráter meio sombrio, que é algo que eu já vinha pesquisando há um tempo. Eu fiz a composição a partir de uma consulta ao ChatGPT. Pedi para a inteligência artificial escrever uma música sobre orgasmo e vieram muitas possibilidades, mas eu senti falta de alma ali. Então acabamos compondo ‘juntas’, o que trouxe um resultado especial.” Profano “É uma volta ao começo. A gente que é artista sabe mais ou menos do que nosso público gosta. Só que eu nunca me propus a isso. O meu segundo álbum não repetiu fórmulas. E este, o terceiro, também não. Mas eu ainda gosto de fazer música com estrofe, refrão e ponte bem definidos – e, é claro, com melancolia, que é um dos elementos que mais me conectam ao público. A música fala sobre uma pessoa que voa e ao mesmo tempo sangra. Eu admito que, mesmo que as coisas estejam decolando para mim, eu também tenho meus sofrimentos. Há elementos de city pop e também uma sonoridade anos 80 bem dançante. Eu me desafio a chacoalhar o público.” Ocitocina “É sobre o afastamento na pandemia. E também tem a ver com o meu vício em ocitocina [um tipo de hormônio]. Fala sobre a dicotomia de estar próxima e distante. Na minha família, a gente não se toca muito, não diz ‘eu te amo’. E eu lembro que na infância a gente tinha orgulho disso, achava legal. Só que quando eu entrei na idade adulta e comecei a me relacionar, fui percebendo que era exageradamente carinhosa. Eu percebi que sentia falta de afeto. E a sonoridade da música tem um pouco de nostalgia, algo de que eu gosto muito.” A Verdade É Que a Cidade Vai Me Matar “Musicalmente é a mais doida do álbum. Tem um drop – recurso que eu amo e já utilizei em outras músicas, como em ‘A Cidade’ [2015] –, que é aquele momento em que não tem vocal e são só batidas. As harmonias são feitas com recortes de voz. Ela também é bem crua, ao contrário do que eu fiz no meu primeiro álbum. É uma música apocalíptica, sincera demais. É sobre alguém que se observa e admite seus vícios por querer realmente combatê-los. São assuntos intensos. Permeia o tema da morte, mas na perspectiva de uma sobrevivente.”