Vamos Partir pro Mundo - A Música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar

Vamos Partir pro Mundo - A Música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar

Antônio Adolfo fez história na música brasileira com sua parceria com Tibério Gaspar. Foram mais de 50 composições, entre elas sucessos como “Sá Marina” e “Teletema”, canções que ficaram para a eternidade. Para celebrar essa dupla, ele se juntou a uma das maiores intérpretes do Brasil, Leila Pinheiro, que deu uma nova roupagem aos clássicos de Adolfo com Tibério. “Para mim foi um deleite, um presente, porque na verdade conhecia poucas das canções escolhidas. Para uma intérprete é um presente mesmo, um parque de diversões, uma alegria imensa poder mergulhar num repertório tão vasto, farto, lindo”, afirma Leila Pinheiro. “Desde a partida do meu amigo e parceiro Tibério Gaspar, há três anos, que quero fazer uma homenagem. E antes de eu fazer o pedido, a Leila falou: ‘Topo!’. Houve uma empatia total, um casamento pessoal e musical muito grande. Leila é uma querida, uma supercantora, canta com a alma, afinação perfeita. Foi felicidade do início ao fim”, completa Antônio Adolfo. Para as releituras, Antônio Adolfo e Leila Pinheiro reuniram músicos de peso como Jessé Sadoc, Jorge Helder, Marcos Bahia, Dadá Costa, Gabriel Grossi e ninguém menos do que Roberto Menescal, um dos fundadores da bossa nova. “Menescal ficou felicíssimo. Ele tem uma marca muito forte, até nos trouxe mais para a bossa. Porque talvez o álbum nem fosse tanto para a bossa, mas aí mesclamos essa opção do jazz, que era tirar um pouco as canções do lugar que elas vinham ocupando”, explica Leila. “É uma pessoa maravilhosa, fiquei impressionado em ver como ele está em forma. Ele disse para mim que os arranjos eram meio que um desafio para ele, que era uma aula de harmonia. Ele sentou para tocar, foi uma atrás da outra. Desfilou o talento dele, a capacidade, a maturidade, musicalidade”, conta Adolfo. Antônio Adolfo e Leila Pinheiro comentam abaixo cada uma das faixas de Vamos Partir Pro Mundo: 1. Dono do Mundo Antônio Adolfo: “‘Dono do Mundo’ foi uma música que surgiu de um álbum que fui contratado para fazer para um selo inglês Far Out Recordings, em 2006. Eles queriam uma repetição mais ou menos, uma ideia, que foi mais ou menos como um álbum do Brazuca, que foi um grupo que eu tive no final dos anos 60. Era um álbum com aquele som, com aquela ideia. Foi um álbum encomendado. Encomendei para o Tibério as letras para ficar uma coisa mais autêntica. ‘Dono do Mundo’ é a música que abre este álbum e ficou lindíssima na voz da Leila, é uma das preferidas do Tibério Gaspar. Antes dele falecer, ele a cantava nos shows e era apaixonado pela música, pela letra... Realmente ficou um casamento muito legal. A gente estava mais maduro musicalmente. Em 2006, depois de mais de 20 anos, a gente amadureceu tocando, compondo…” Leila Pinheiro: “Queria acrescentar também que ela foi escolhida para abrir o álbum porque é uma canção que começa com piano e voz. Começa o Antônio me acompanhando, ‘dono do meu destino, o mundo gira na minha mão, o tempo passa num pé de vento e a vida passa num furacão e por isso sigo no meu caminho’. É uma grande abertura mesmo, é o começo de uma viagem, vamos partir para o mundo. Ela está aí abrindo os trabalhos com essa intenção mesmo, do pianista, que é o compositor e dono da obra, com a intérprete.” 2. Glória, Glorinha Antônio Adolfo: “‘Glória, Glorinha’ foi feita em 1969. Nessa época estava com 22 anos, e a gente estava com a Brazuca, que era o conjunto que estava fazendo um certo sucesso depois do festival com ‘Juliana’, que foi a música que ficou em segundo lugar no festival de 1969. Fomos fazer um show em Guarapari, se não me engano, e depois do show sempre rolava uma esticada para alguma discoteca. Todo mundo começou a dançar, aquelas luzes da boate psicodélica, aquela dança, as luzes piscando, as meninas dançando e a gente fazendo sucesso. Afinal de contas, a gente tinha feito um show duas horas antes na cidade, com muito sucesso. Pintou uma Glória lá, uma moça chamada Glória, que foi a inspiração para a música, e o título da música foi uma curtição. Foi realmente um momento de curtição, dos 20 e poucos anos, como várias músicas da nossa parceria nessa época.” Leila Pinheiro: “A música é uma delícia, é uma festa mesmo, é uma graça. É uma bossa mais dinâmica, mais forte, não chega a ser um samba, é uma bossa mesmo.” 3. Cláudia Antônio Adolfo: “‘Cláudia’ foi feita para um filme para o qual fui contratado para fazer a trilha, e o Tibério fez a letra de duas músicas. Cláudia era uma personagem que andava pelas ruas de Copacabana, era uma moça dos anos 60, que olhava as vitrines, ia para lanchonete, mascava chiclete, ia para praia, ao cinema. Às 4h da tarde almoçava, ia para festas, uma personagem muito bonita, muito querida. Este arranjo trouxe a música para um clima bem legal, a gente fez uma mudança de compasso, ficou ótimo, uma bossa chique. A música é leve, então ficou aquele clima anos 60. Leila mais uma vez arrasou.” Leila: “É uma delícia. Na verdade, foi a música que a gravadora escolheu para sair como a mais conhecida, para mostrar de primeira.” 4. Sá Marina Antônio Adolfo: “‘Sá Marina’ está sempre sendo renovada, sendo gravada desde Wilson Simonal, que foi o primeiro sucesso. Depois até Elis cantou quando eu estava tocando com ela, fizemos uma temporada no Olympia (na França). Esta música só me trouxe alegrias, apesar de dizer, ‘deixando versos na partida e só cantigas para se cantar… ela fez o povo inteiro chorar.” Leila Pinheiro: “Fez chorar de alegria…” Antônio Adolfo: “Pois é, essa mistura do choro com sorriso de alegria é muito brasileira. Esta música foi gravada lá fora. Stevie Wonder, Sérgio Mendes, Joe Cocker gravaram esta música. Recentemente, Ivete Sangalo com o Buchecha. São artistas completamente diferentes, em épocas completamente diferentes, e a música continua firme. É um desafio você fazer um arranjo, ainda mais porque já fiz vários arranjos, contabilizei uns 40 mais ou menos, mas ela dá chance para isso. As pessoas que escutaram esta versão falaram, ‘Sá Marina’ está diferente, maravilhosa’. Tem um solo de gaita que remete ao solo que o Stevie Wonder fez na gravação dele. E o Gabriel Grossi (que gravou a gaita) não fica atrás. Ficou ótimo!” Leila Pinheiro: “Foi um desafio porque na verdade não fui ouvir mais nada, não quis ouvir mais nenhum tipo de gravação, mas ela está impregnada na minha alma, é uma das canções mais conhecidas, assim como ‘Teletema’. Lembro da gente conversando e você me dizendo, ‘posso puxar ela mais para o jazz’. Mesmo que não fosse uma coisa explicitamente, ela sai um pouco daquela toada moderna, pop, e vem para um outro lugar. Me joguei mesmo na alegria que ela traz, pela vida afora, e põe para fora essa alegria. Ela é de fato uma grande festa, mesmo que de fato ela coloque o mundo inteiro para chorar. Mas ela chora de alegria mesmo, essa celebração.” Antônio Adolfo: “No final a Leila dá um show, brincando com o Gabriel Grossi, fazendo um pingue-pongue gostoso.” Leila Pinheiro: “É um deleite!” 5. Vamos Partir Pro Mundo Antônio Adolfo: “Foi a última composição da primeira fase da parceria. Como falei, teve essa fase de 1967 a 1970. Foi lançada em 1971, mas esta música foi feita em 1970.” Leila Pinheiro: “Foi a Dóris que lançou, né?” Antônio Adolfo: “Isso mesmo, Dóris Monteiro. Ficou muito bonita a gravação dela. ‘Vamos Partir Pro Mundo’ ficou naquele clima da bossa e tem a batida inigualável do Menescal. São diferenças sutis, mas é muito importante você ver o Menescal fazendo uma bossa nova e outra pessoa, que não teve a cultura bossa nova enraizada como o Menescal teve. Ele nasceu junto com a bossa nova, a bossa nova nasceu junto com ele.” Leila Pinheiro: “E esta música tem o solo dele…” Antônio Adolfo: “Tem o solo, que é muito bonito. Ficou perfeito, foi natural. Uma música simples, ela é quase feita numa escala pentatônica. Naquela época parti para o exterior, e o Tibério foi para o interior do Brasil fazer uma pesquisa musical. Foi a época em que a gente interrompeu a dupla.” Leila Pinheiro: “Queria fazer só uma observação que não tem melodia simples sua, não. Não tem nada simples, é tudo sofisticadérrimo, e por isso me joguei como uma louca, anotando cada nota do Antônio. Nossa senhora, você pensa que é uma coisa, mas não é, não, o buraco é bem mais embaixo, as notas são desafiadoras.” Antônio Adolfo: “Acho que para o ouvinte ela parece fácil…” Leila Pinheiro: “Manda cantar (risos).” 6. Teletema Antônio Adolfo: “‘Teletema’ tem uma história trágica, ao mesmo tempo que foi uma música que fez muito sucesso. A história trágica se refere a uma namorada que o Tibério teve. O Nelson Motta convidou a gente para fazer parte da trilha sonora de ‘Véu de Noiva’, grande sucesso, uma novela que conquistou um grande público e iniciou um estilo de novelas um pouco diferente.” Leila Pinheiro: “Foi Janete Clair…” Antônio Adolfo: “Janete Clair com Regina Duarte e Cláudio Marzo. Nesse momento aconteceu um acidente, e a namorada do Tibério, que tinha o apelido de Turquinha, uma namorada recente dele, sofreu esse acidente de carro junto com um outro pessoal e faleceu. Foi uma coisa muito triste e o Tibério fez esta letra se referindo a isso também. Acabou que esta música se tornou tema de amor da novela ‘Véu de Noiva’.” Leila Pinheiro: “Ninguém pensa na tristeza dela, né, Antônio? Ela tem uma beleza, vai crescendo. Você fez a música sem pensar na Turquinha, que ela fosse uma tragédia. Ela tem uma expansão de melodia que não te leva para um lugar mais recatado, mais denso, ela é pra cima. Trabalhei aqui…” Antônio Adolfo: “Tem a participação do Jessé Sadoc tocando, ficou lindo, tudo novinho…” Leila Pinheiro: “Uma outra ideia da canção, trouxe um frescor…” 7. Domingo Azul Antônio Adolfo: “‘Domingo Azul’ é outra música despretensiosa, veio nessa segunda safra de músicas, que foram encomendadas pelo selo inglês Far Out. Como eles queriam aquele clima Brazuca, leve, psicodélico, a gente fez uma música que é um domingo na praia, a pessoa vai à praia, esquece de tudo, curte. Tibério cada vez mais maduro nessa época, eu também. Com a composição, arranjo, com tudo. Aqui a gente colocou um clima de ijexá, um clima baiano, para dar aquele molho de ritmo. Tem uma percussão maravilhosa do Dadá Costa, com o Márcio Bahia, que é o baterista.” Leila Pinheiro: “E o seu super-Rhodes, piano Fender Rhodes, que é maravilhoso…” Antônio Adolfo. “Fui o primeiro a usar o piano Rhodes no Brasil…” Leila Pinheiro: “Me joguei. É uma canção de uma festa, ela não tem maiores desafios para cantar. Apesar de ela ter umas pegadinhas. Não dá para cantar nada do Adolfo sem estudar pra caramba.” Antônio Adolfo: “Mas com você tudo soa natural…” Leila Pinheiro: “Pois é, querido. Soa, mas você sabe o quanto eu trabalhei (risos). A ideia é justamente esta, parecer que tudo é natural e tranquilo. Apesar de parecer naturalíssimo, mas sei o grau de dificuldade.” 8. Alegria de Carnaval Antônio Adolfo: “‘Alegria de Carnaval’ foi da primeira safra de músicas com Tibério. Já tinha umas oito ou dez músicas, ‘Sá Marina’, ‘Correnteza’, e ‘Alegria de Carnaval’ era uma delas. Ela é uma marchinha, tipo um frevinho, carnavalesco no bom sentido… Esse carnavalesco no bom sentido foi engraçado. Mas digo carnavalesco no sentido mais puro, daquela imagem do carnaval das fantasias, uma festa no interior.” Leila Pinheiro: “Ela também é uma pedrada, já começa torta…” Antônio Adolfo: “Ela tem uma divisão que você não entra direto nela…” Leila Pinheiro: “Ela flui mais natural e ao mesmo tempo surpreende, não entro exatamente na cabeça do acorde. Pude me espalhar, e ela tem uma melodia espetacular. Lembro quando você me mostrou a primeira vez, nem quis saber da letra, porque esta melodia já me arrebatou. Foi uma grande alegria poder me jogar neste repertório.” Antônio Adolfo: “No finalzinho ela tem um refrãozinho musical, que ficou muito legal. Na verdade, tudo ficou muito legal para mim.” 9. Caminhada Antônio Adolfo: “‘Caminhada’ foi a primeiríssima música da dupla. Ela entrou no Festival da Canção em que o Milton Nascimento foi a grande estrela, o festival de 1967. ‘Caminhada’ foi a 10ª colocada. A gente começando a parceria, e a primeira música já entrou no festival e teve esse resultado maravilhoso. Naquela época a gente estava criando o movimento da toada moderna, era um baião meio jazzístico. Foi o momento de um vácuo na música brasileira, época em que o pessoal foi tudo para o exterior, o pessoal da bossa nova estava nos Estados Unidos, alguns no México, outros na Europa. Nessa época ficou um certo vazio, mas que foi bom, porque foi quando surgiu o Milton Nascimento. Os festivais eram um incentivo para a gente compor o melhor possível. Foi a música que lançou a dupla.” Leila Pinheiro: “O nome parece que já sugere isso.” Antônio Adolfo: “Realmente maltratei a Leila nesta música. Eu a amadureci, coloquei umas notas mais sutis que não tinham na música, ela era mais reta.” Leila Pinheiro: “É tudo uma encrenca, tudo encrenca. Nossa senhora…” Antônio Adolfo: “Mas ficou ótima, porque a gente colocou um pouco de ijexá.” Leila Pinheiro: “É uma delícia para cantar.” 10. Giro Antônio Adolfo: “Assim como ‘Alegria de Carnaval’, ela traz um clima de festa de interior, ‘hoje a cidade inteira se enfeitou, coberta de alegria a noite serenou’. Esta música Elis Regina gravou em dois álbuns: Elis - Como e Porque (1969) e Elis Regina in London (1969). Música que a Leila deu uma outra interpretação.” Leila Pinheiro: “Me joguei…” Antônio: “Você deu uma interpretação diferente, ficou lindíssima. Acho que a música ganhou muito com essa sua interpretação.” Leila Pinheiro: “Brinquei muito no ritmo, né, Antônio? Saí jogando, fui me embora…” Antônio Adolfo: “E esta música não tem muito espaço para respirar.” Leila Pinheiro: “É, não tem nenhum. Esta aqui não tem nenhum (risos).” Antônio Adolfo: “Não sei como ela consegue puxar esse ar todo (risos).” Leila Pinheiro: “Pois é. Até isto, onde para, onde respira, tem indicado aqui nas minhas anotações.” 11. A Cidade e Eu Antônio Adolfo: “Esta música é uma toada. Como falei, a gente estava compondo umas toadas naquela época. Puxamos um clima mais compenetrado, mas ao mesmo tempo a música vai subindo e explode. Uma música misteriosa, ela tem um lance meio misterioso.” Leila Pinheiro: “Soturna…” Antônio Adolfo: “Exatamente. No início a gente colocou uma flauta em contralto, do Marcelo Martins, fazendo uma coisa meio árabe. Ela explode na segunda parte, e a Leila vem com tudo. Esta música estava precisando de uma gravação assim. Ela só tinha uma gravação do conjunto Brazuca, mas só tinha versão com as cantoras que cantavam com a gente.” Leila Pinheiro: “E elas não podiam interpretar…” Antônio Adolfo: “Exatamente. Não podiam interpretar muito, tinham que cantar tudo igualzinho.” Leila: “Quando juntou o quarteto para gravar a base, fui para o estúdio junto, coloquei o fone e saí cantando para eles tocarem. Quando acabei, o Antônio dizia: ‘está pronta, está ótima’. Mas, na verdade, ali tinha uma cantora, não tinha uma intérprete. Esta canção exige uma introspecção. Todas elas têm uma história para contar que, para cantar, ok, mas, para uma intérprete como eu, elas soam completamente diferentes quando ligo o play na intérprete. Passou um tempo, as bases foram se complementando, e entrei no estúdio para de fato interpretar a canção. Parecia uma outra cantora.” Antônio Adolfo: “Você mergulha fundo, entra no âmago da canção, da melodia.” Leila Pinheiro: “Esse é o grande barato. Porque digo, cantar é muito fácil, você abre a boca e qualquer um canta, pode ser desafinado ou não, mas qualquer um canta. Mas a coisa do intérprete, que vai buscar o que o letrista quis dizer, que é isso somado à melodia, dentro da harmonia, dentro do arranjo, isso é o meu passeio, meu deleite. É o que me mantém viva.” 12. Ao Redor Antônio Adolfo: “A gente colocou várias músicas em novelas da Globo, que faziam muito sucesso. Esta música foi de ‘Pigmalião 70’, gravada naquela época pela Claudette Soares. Fiz esta música mais ou menos no ritmo que ‘Teletema’ tinha sido gravada originalmente. Uma música bem difícil, né, Leila?” Leila Pinheiro: “Bastante, Antônio. Na segunda parte dela, foi a primeira vez que vi em letra a palavra ‘gens’, de ‘gênese’. Ela diz, ‘leia os jornais, ligue a TV, linhas gerais se vê, gente que anda nos ponteiros, do seu cativeiro, gente, tão somente gens, só’. É tão atual a letra, bem desafiadora. Esta ouvi um pouco mais, ouvi Claudette, que curiosamente, lá atrás, quando não era nem cantora, meu pai era presidente de clubes em Belém. A Claudette foi a um desses clubes e foi a minha casa, ela era casada com um pianista. Ela cantou e tocou na minha casa e tudo.” 13. Pela Cidade Leila Pinheiro: “Chamo esta canção de um sonho de Brasil. Um Brasil, um mundo que não existem mais. Mas ela é tão forte que se manteve dentro do álbum. Porque as outras letras elas todas poderiam ter sido escritas agora. ‘Pela Cidade’ não, mas é uma canção que se impôs pela possível atemporalidade da letra.” Antônio Adolfo: “Aliás, quero abrir um parêntese aqui. Tibério era um poeta mesmo, supermusical. Porque letrista não pode ser somente um poeta. Poeta é bom de poesia, mas não quer dizer que ele vá ser um ótimo letrista, tem que ter a musicalidade, né, Leila?” Leila Pinheiro: “Muito, facilita demais. A métrica, a preocupação com as palavras, os agudos, os sons das palavras.” Antônio Adolfo: “Acho que para ser letrista tem de ser musical, e o Tibério dava um banho. Tanto é que depois que ele descobriu que podia tocar violão e cantar, ele saiu fazendo shows por aí.” 14. Tema Triste Antônio Adolfo: “Esta é da primeira safra também, foi gravada por Maysa. Lembro da minha mãe ouvindo Maysa na vitrola, que naquela época a gente chamava de radiola, ela tinha todos aqueles discos, Convite Para Ouvir Maysa. Era pequeno, mas já admirava aquelas músicas, aqueles sambas-canção.” Leila Pinheiro: “Menescal chama de ‘samba-canseira’. Porque a bossa veio justamente para pegar essas canções e tirar desse buraco. Iluminou.” Antônio Adolfo: “A gente imaginava, ‘pô, se um dia a Maysa ouvisse esta música, ela ia gostar’. E não é que eu fiz vários arranjos para o álbum dela e ela gravou três músicas minhas? Esta música ficou só piano, voz e contrabaixo. Jorge Helder tocou de arco, aliás. Ele tocando de arco parece uma orquestra sinfônica.” Leila Pinheiro: “É impressionante…” Antônio Adolfo: “Quando ela (Leila) acabou de gravar, todo mundo ficou arrepiado, emocionado. Foi um clima que dá aquele branco. Depois ela ainda refez. Porque disse, ‘vou fazer melhor’. Ela chegou sozinha lá e fez no mesmo ritmo.” Leila Pinheiro: “Você não tem ideia, ouvindo, que o piano foi feito numa hora e a voz na outra. Parece que nós fizemos os dois juntos. Cantei sentada, nunca gravo sentada, mas peguei a letra na mão e entrei nesse buraco. Ela é um banho de tristeza e de densidade musical, de letra, de tudo.” 15. Correnteza Leila Pinheiro: “Mas a gente não podia acabar o álbum triste, de uma forma triste, e fomos para ‘Correnteza’.” Antônio Adolfo: “Como que é a letra…” Leila Pinheiro: “‘Meu navio apita, tenho que ir. Meu navio apita, tenho que ir’. Olha aí, as melodias: ‘E a saudade grita, e quem vai ficar. Pelas águas verdes, quero fugir. Pelas noites só vou me afogar’. É uma loucura. É uma música que se preocupa com a letra, porque o Antônio não faz coisas loucas, que são ‘incantáveis’, entendeu? Por mais que sejam difíceis. Ele não seria esse megacompositor de sucesso. São difíceis, você tem que prestar atenção para cantar, mas não são desafios que ficam esquisitos, entendeu? Parecem naturais, mas são danados.” Antônio Adolfo: “Elas vão subindo e aí chega lá em cima, e depois volta e depois sobe a ladeira de novo.” Leila Pinheiro: “Aliás, você deu um depoimento sobre isso. Não havia isso na canção, as canções começavam em dó e terminavam em dó. Você modulava as notas no meio, às vezes modulava duas, e depois voltava, subia de tom. Isso para uma intérprete é um deleite, e a canção cresce. É uma maravilha. Isso é coisa de compositor bom mesmo. Músico e professor.”

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