Purakê

Purakê

Caminhando sem pressa por participações em programas de TV, novelas e singles avulsos, Gaby Amarantos passou quase uma década sem um novo álbum. Desde 2015, três anos após se firmar como o furacão do tecnobrega que conquistou o Brasil com Treme, a cantora vem lapidando o que toma forma agora como Purakê. “Não sei se alguém levou tanto tempo para fazer um segundo álbum”, diverte-se a artista em entrevista ao Apple Music. “Mas procurei não ceder à pressão de conceber esse trabalho com rapidez. Preferimos ser subversivos sonoramente, testamos bastante. Algumas músicas foram gravadas três ou quatro vezes até a versão final. Isso me deixou muito segura com o resultado.” Antes de começar a responder sobre a construção de Purakê, Gaby Amarantos emendou outra pergunta – “Quanto tempo nós temos para falar aqui?” –, dada à longa gestação do trabalho, e caiu na gargalhada. Estas são duas características da artista paraense: ela é boa de papo e sabe contar histórias. E o segundo álbum traz uma porção dessas histórias, encapsuladas em roupagens eletrônicas avançadas e tecnobrega clássico. “A primeira faixa do álbum também foi a primeira que fiz, em 2015”, ela diz, sobre “Última Lágrima”, música com participação do trio de veteranas Elza Soares, Alcione e Dona Onete. “Então são cinco anos trabalhando nesse álbum, mas a produção musical, com todo o repertório já selecionado, começou no início de 2019.” Gaby divide o período de meia década de composição de Purakê em duas partes. A primeira, mais descompromissada, ocorreu com a participação dos também compositores Renato Rosas e Arthur Espíndola. “Fiquei, por muito tempo, procurando o novo som da Amazônia e sabia que não adiantava me afobar. Preferi ficar compondo com meus parceiros e tomando uma cachaça de jambu”, ela recorda. A partir de 2019, o encontro com o produtor e músico Jaloo foi decisivo para a compreensão de qual seria a linha a costurar todas as 13 composições do álbum e as 11 participações especiais. Na companhia do diretor artístico do álbum Jaloo e do músico Lucas Estrela, Gaby Amarantos fez uma imersão no distrito de Alter do Chão, no Pará, para terminar as composições no estúdio montado em um barco. “Gosto de fazer estas imersões na floresta”, revela Gaby sobre seus processos. “Quando encontrei o Jaloo, tinha metade do álbum escrito, com músicas que falavam de amor e de sofrência, mas ainda faltavam aquelas que tratariam de natureza e desta conexão com a floresta.” Embora não esteja evidente na ordem das faixas, como explica Gaby, Purakê possui as músicas divididas em quatro atos. São eles: caos, renascimento, natureza e festa. Mas, no centro disso tudo, está o peixe pré-histórico que dá nome ao projeto, que é uma espécie de “enguia brasileira que tem uma voltagem de até 860 volts”, explica a cantora. “Queríamos ter um elemento ligado à eletricidade, mas que fosse uma eletricidade natural. E é isso que propõe o diálogo entre a floresta rústica e a floresta tecnológica. Nossa ideia é encontrar um som novo, pensar qual será a sonoridade do futuro da Amazônia”, detalha a artista. A seguir, Gaby Amarantos apresenta Purakê faixa a faixa, enquanto faz uma viagem no tempo, com esse encontro entre passado, presente e futuro. “Quero entender como estará a sonoridade da Amazônia daqui a 20 ou 50 anos. Queremos antecipar isso”, ela revela. “Algumas dessas faixas eu nem sei explicar de onde vêm”, diverte-se. Última Lágrima (ft. Elza Soares, Alcione & Dona Onete) “As três participantes formam a minha santíssima trindade. São os meus exemplos de futuro. Elas representam essa potência logo no início do álbum. E ‘Última Lágrima’ é um decreto, é sobre dar um basta. A participação da Dona Onete se deu por meio de mensagens que ela me mandava e faz um contraponto na música que fala de um lugar de vulnerabilidade feminina. Por fim, ela conecta a geração mais jovem com a mais velha, para nos lembrar a quem devemos reverenciar.” Opará (ft. Luedji Luna) “Uma música que nasceu no momento em que eu estava no barco com Jaloo e Lucas Estrela. E foi a primeira música que fizemos juntos para esse álbum. Queria que ela fosse cantada por uma mulher que representasse essa força da natureza, uma mulher que está no asfalto, e também na floresta, que é do rio e do mar, uma mulher que nunca anda sozinha. Não conseguia enxergar outra pessoa que não a Luedji para isso. Sobre a sonoridade, essa é uma faixa que não consigo definir o que é. É uma coisa nova que estamos propondo, e uma hora vamos entender.” Amor Fake “Esse é um breguinha da saudade repaginado, sabe? Quando escuto essa música, parece que a estou ouvindo tocar no rádio de uma casa ribeirinha lá no meio do rio. E, ao mesmo tempo, ela é moderna pra caramba. Estamos convivendo com tanta fake news que queríamos falar desse fake amor, mas é uma crítica com bom humor. E faço uma rima de ‘fake’ com ‘baby’ que me lembra a rima de ‘love’ com ‘1,99’, que eu cantei em ‘Ex Mai Love’ [do primeiro álbum Treme]. É um brega raiz, mas que também está apontando lá para frente.” Sangrando (ft. Potyguara Bardo) “Um momento catártico deu origem a essa música durante uma das imersões que fiz com Renato Rosas e Arthur Espíndola no meio da floresta. Eles são companheiros meus de tomar cachaça, de tocar violão e de cantar música brega. Estávamos frustrados porque não tínhamos conseguido criar nada naquele dia. Sugeri que déssemos um mergulho no rio antes de continuar. E nos divertimos. Quando voltamos, Renato pegou o violão, e essa música foi praticamente psicografada, saiu em pouco tempo. O começo da faixa me lembra um pouco ‘Total Eclipse of the Heart’ [de Bonnie Tyler]. E a voz da Potyguara é absurdamente boa.” Embraza “Essa aqui é uma composição com o Jaloo que nasceu quando pegamos um barco e fomos até Alter do Chão. Até citamos a região na letra. É uma música de romance de verão, mas é um verão amazônico, de praia de água doce, de flerte à noite próximo de uma fogueira enquanto rola um carimbó. Queríamos homenagear Alter do Chão nela.” Amor Pra Recordar (ft. Liniker) “Costumo dizer que essa música é filha única, não há nada igual a ela. Mas é porque ela foi criada de forma muito especial com o Jaloo. Estávamos em um momento de crise no barco, porque não conseguíamos compor nada. Cada um se isolou em um canto, de cara emburrada. Mas do caos nasce a flor, não é? De repente, comecei a cantarolar uma melodia e o Jaloo apareceu, querendo ouvir mais do que eu estava cantando. Foi catártico como o processo de ‘Sangrando’. E é uma parceria com um compositor das antigas, o Tonny Brasil. E se tornou a música que mostrará para o Brasil o que é o Brasil ribeirinho e a realidade da mulher ali. Amo a Liniker e fiquei muito feliz em tê-la dividindo comigo essa faixa com sua voz tão linda.” Rio “Essa é uma composição da entressafra, feita entre 2018 e 2019, entre a primeira e a segunda fase de composições, que contava com o Jaloo e com o Lucas Estrela. Crescemos ouvindo que a Amazônia é o pulmão do mundo, mas ela é o que umidifica o mundo. E queria falar sobre essa floresta atravessada por rios.” Vênus Em Escorpião (ft. Ney Matogrosso & Urias) “O clipe diz uma coisa e a música diz outra. No vídeo, tratamos das queimadas, do mal representado pelo homem de terno branco, para que as pessoas pudessem entender a dor que é ver uma floresta pegando fogo. Já a música é sobre sair para a rua e sobre amar. E ainda tive a chance de colaborar com Ney e Urias, que são incríveis. Foi a música escolhida para anunciar Purakê.” Selfie “Meu companheiro, o Gareth, é muito avesso às redes sociais. E ele normalmente faz algumas expedições e fica superisolado. Então é normal passarmos um tempo sem nos ver. E eu também estava em uma imersão para o álbum. E, de repente, chega uma selfie dele para mim no celular. Ele dizia que uma foto dele era uma declaração de amor para mim, já que não gostava dessa tecnologia toda. Falei para os compositores [Arthur Espíndola e Lucas Gouvêa]: ‘Gente, é isso’. Assim nasceu essa faixa.” Iniciação “Aqui começamos a nos despedir do álbum. E falamos sobre o rebolar, que é algo tão africano e tão brasileiro. Acho incrível quem se joga na música e dança até o chão como se não houvesse amanhã. É uma parte do ato festivo do álbum e se conecta com a música seguinte.” Rolha “Queria cantar algo com duplo sentido e que tratasse da liberdade feminina. É uma composição com a qual muitas pessoas vão se identificar. A música ficou com uma sonoridade de cúmbia eletrônica. Sinto que essa aqui também é uma filha única, viu?” Arreda (ft. Leona Vingativa & Viviane Batidão) “Era importante que o álbum tivesse esse momento para exaltar o tecnobrega. O Caetano Veloso cantou que ‘a bossa nova é fod*’ [no álbum Abraçaço, de 2012], não é? Queria fazer a mesma coisa. Queria gritar como esse nosso som é incrível. É algo que vem da periferia do norte. E foi ótimo ter a parceria das maravilhosas Leona Vingativa & Viviane Batidão para fazer isso.” Tchau (ft. Jaloo) “Foi o Jaloo quem escolheu cantar nessa música, usando o poder dele de diretor musical [risos]. É uma música que une os compositores das duas partes do álbum, tem Arthur Espíndola e Lucas Gouvêa, além de Jaloo e de mim. Acho que tem algo meio cinematográfico nela. Um pouco do [cineasta espanhol] Pedro Almodóvar e um pouco de Bacurau [filme brasileiro de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles]. Tem uma energia do brega fluindo dela aqui, que vem da raiz do estilo, mas levando esse som para o futuro também.”

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