Lenine In Cité (Deluxe)

Lenine In Cité (Deluxe)

Nos dias 29 e 30 de abril de 2004, Lenine registrou o projeto ‘Lenine In Cité’, gravado no prestigiado Cité de la Musique, em Paris (França) e lançado no mesmo ano como CD e DVD. O cantor e compositor pernambucano preparou um repertório com canções inéditas e algumas versões mais minimalistas de músicas do seu próprio cancioneiro, acompanhado apenas pelo argentino Ramiro Musotto (percussão) e pela cubana Yusa (baixo e vocal). As apresentações no Cité de la Musique, que fica dentro do Parc de la Villette, faziam parte do projeto Carte Blanche que, antes de Lenine, só teve a participação de um brasileiro: Caetano Veloso, em 1999, que curiosamente tinha Lenine como convidado. “Trata-se de um espaço de música erudita que, eventualmente, abre para a música popular. Então foi um momento muito especial”, conta Lenine ao Apple Music. Pouco antes das apresentações, Lenine decidiu que iria gravar os shows. Ao lado da companheira da vida toda, Anna Barroso, eles contrataram, para a captação do som, a Le Voyager, uma das melhores empresas europeias do ramo, e montaram uma equipe com profissionais de confiança, composta por brasileiros e estrangeiros. “Foi muito carregado de adrenalina, porque assumimos tudo, eu e Anna, Anna e eu. Tenho muitas lembranças da loucura que foi. Da maravilha de envolver tanta gente competente e capaz, o fato de ser em outro país, em outra língua. Também o fato de ter sido tudo daquela maneira, e de ter acontecido por causa da própria percepção do centro acadêmico de música, o convite já foi muito especial”, relembra o cantor. “Nos encontramos [Lenine, Yusa e Ramiro] duas semanas antes de viajar para a França, aqui no Brasil, fui compondo o repertório e montei o espetáculo. A gente ensaiou aqui no Rio e fizemos uma pequena apresentação só para os amigos, pra dividir aqui. Viajamos para Paris, tivemos os dois shows, e logo na sequência eu continuei a turnê, porque eu tava ainda com o ‘Falange Canibal’ (2002).” Para ‘Lenine In Cité’, o músico inverteu a ordem natural do mercado, que era de lançar um CD de canções inéditas, e depois um DVD com o registro ao vivo de suas canções. Além disso, ele também queria reafirmar a sua própria lusofonia e latinidade. “O fato de cantar em português e me encontrar como trovador, o cara que canta o que compõe, e dividir esse projeto de uma maneira panamericana. Então, também não foi por acaso o fato de eu escolher uma cubana, que tinha conhecido quatro anos antes em Cuba, em um festival de cinema para o qual tinha sido convidado, e o Ramiro Musotto, que já tinha encontrado pelo Brasil, que tinha lançado um disco lindo chamado ‘Sudaka’ (2004)”, explica. “Lembro muito que isso foi especial, não só na minha vida, mas na de todos que se envolveram com o projeto, e como foi bacana perseverar essa coisa de: ‘Sim, cara, a gente consegue fazer com excelência’. Perceber que a gente não tava distante de nada, pelo contrário, estávamos apontando o caminho”, celebra Lenine. Abaixo, Lenine comenta cada uma das faixas do trabalho: Caribenha Nação/Tuareguê Nagô “Esta é uma canção do meu disco ‘Olho de Peixe’ (1993). Aí, de alguma maneira, queria deixar evidente essa ligação, na síntese, no formato mínimo... tem uma similaridade. Então foi intencional começar com esta canção. ‘Caribenha Nação”, que é apenas uma vinheta, e a canção que segue que é ‘Tuareguê Nagô’, uma parceria com Bráulio Tavares. O próprio ‘Tuareguê Nagô’ eu já gravei em dois ou três formatos. Então, assim, lembro dessa funcionalidade que a canção tinha, de estabelecer esse paralelo histórico com o disco que, até aquele momento, tinha sido um dos mais importantes da minha carreira, o ‘Olho de Peixe’, que fiz com [Marcos] Suzano, em 1993.” Vivo “É uma parceria com Carlos Rennó, uma das primeiras canções inéditas. Esta eu fiz exclusivamente para o projeto In Cité, que seria um DVD do show e o CD, e esta canção falava muito do… Ainda vivíamos sob a égide da Aids, aliás, ainda vivemos. Essas doenças [para as quais] a gente não consegue a cura, a gente só consegue estabelecer algum tipo de sobrevivência, mas a gente não tem a cura, como é o caso da Aids. E ‘Vivo‘, de alguma maneira, reverbera isso, de você realmente refletir que esse momento é especial, que cada momento é especial. Sou um cara muito celebrativo, e em muitas das minhas músicas isso aparece; sou uma pessoa que celebra a vida, sabe? Então ‘Vivo’ acho que tem muito disso.” Ninguém Faz Ideia “‘Ninguém Faz Ideia’ é uma parceria com Ivan Santos. Com essa música eu ganhei o Grammy Latino de Melhor Canção. Isso foi um motivo de muito orgulho sim, porque prêmio é sempre muito bacana quando você ganha, principalmente em uma modalidade dessa, que é canção. Então fiquei muito orgulhoso e o meu parceiro também. Mas a música tem essa coisa de um corolário que você faz a respeito das expectativas de cada um, e no final, a conclusão, é que ninguém tem ideia do que pode vir. Tanto é que, se há dez anos você me falasse que a gente estaria vivendo uma distopia como essa que estamos vivendo, eu ia dizer que não, que era impossível. Ia dizer que isso é coisa de ficção científica ou de novela. Porque era impossível a gente ver o planeta retroagir novamente, de tal maneira a ficar tão obscuro, tão medieval. Então, de alguma maneira, a música falava, e fala, sobre isso, de que a gente não tem a mínima ideia do que pode vir. Nesse sentido, foi muito bacana a gente ganhar o prêmio – ganhei com o projeto, e também com a música. Todos esses prêmios corroboram essas conquistas de cada música, de cada projeto, e isso pra mim é muito bacana, porque reverbera o gosto de muita gente. No caso do Grammy, quem elege é quem faz, então grande parte do público que produz música, que tá envolvido no universo da música, é quem julga as categorias. Então o Grammy é uma radiografia daquele núcleo de pessoas que estão produzindo dentro da indústria, que elegem o que é melhor do que aquilo, que você sobressaiu mais do que o outro naquele determinado ano. Mas é sempre muito bom você ser lembrado por toda uma comunidade.” Sonhei Esta é uma tríplice parceria minha com o Ivan [Santos] e o Bráulio Tavares. É uma música que também tem muito no cerne dela a questão da lusofonia, da minha paixão pela palavra e de acreditar que a língua portuguesa, por causa de toda a maneabilidade dela, por toda a amplitude de sonoridade que ela tem, é uma das melhores coisas pros compositores. Pra quem trabalha com composição, a língua portuguesa é uma dádiva. As proparoxítonas, sabe, as paroxítonas, os tempos das palavras, então isso tudo a canção reverbera de uma maneira muito lusófona, apaixonada pela língua portuguesa.” Relampiano “‘Relampiano’ é uma parceria com o Paulinho Moska, das poucas músicas que a gente tem junto, mas dessas que viraram uma pérola [tanto] no meu cancioneiro, como no do Moska. É uma música que foi feita de uma maneira muito interessante, porque... eu passei uma tarde na casa de Paulinho, a gente compondo uma música que até hoje a gente não se lembra que música é… é engraçado isso. E, ao sair da casa dele, que ficava no alto Leblon, no final da tarde, falei: ‘Vou te dar uma carona até lá embaixo’. Aí saímos juntos, e tava um momento daquelas tempestades de verão do Rio de Janeiro, a cidade tava escurecendo e começou a trovejar. Num daqueles sinais, tinha uma menina, talvez de uns 11, 12, 13 anos, vendendo drops no sinal. Ela viu que eu tava com uma cadeirinha de criança no carro, porque um dos meus filhos era bebê nessa época, ela pediu pra abrir a janela e eu abri, já tava começando a chover, e ela falou assim pra mim: ‘Tá relampiano, cadê neném?’. Olhando para a cadeirinha no carro. E [com] aquilo, tanto eu quanto Paulinho, que estávamos juntos no carro, a gente ficou muito impactado, porque ambos ouvimos uma melodia: ‘Tá relampiano, cadê neném?’. Essa melodia ficou impregnada na gente. O sinal abriu, saímos, e ficamos os dois repetindo: ‘Tá relampiano, cadê neném?’. Aquilo foi como um presente que aquela criança nos deu. É engraçado, ficamos nos ligando durante uma ou duas semanas, e: ‘cara, precisamos descobrir quem é essa menina. A gente precisa descobrir quem é essa menina’. Até que 15 dias depois, liguei pra Paulinho e disse: ‘A gente precisa descobrir quem é essa menina’. E foi aí que a gente começou a construir uma história, porque o refrão a garota nos deu de presente. Então é uma história muito querida – tanto eu quanto Paulinho temos um carinho muito especial por esta canção por causa dessa história.” Anna e Eu “Em todo disco, eu tenho que fazer uma ode à minha parceira [Anna Barroso, com quem Lenine é casado há 40 anos], e ela sempre acha que é pouco, sabe? [risos] É um pouco de nossas conquistas, porque a gente fez tudo muito a dois, resolvemos construir uma coisa juntos há muitos anos, e ficamos regando essa construção, fazendo com muito esmero. Foram surgindo os filhos e os netos… A gente continua se orgulhando muito do que a gente escolheu pra fazer da vida, e escolheu dividir juntos, então é bacana reverberar. Todos os meus discos têm uma música pra ela. Neste mesmo projeto, lá na frente, a gente vai voltar a falar dela, em ‘Todas Elas Juntas Num Só Ser’.” Virou Areia “Esta não era inédita, no sentindo de que eu já tinha feito esta música há algum tempo. Gravo ela pela primeira vez aí. Já havia, inclusive, algumas gravações – houve umas duas ou três gravações da música – mas nunca tinha gravado e escolhi gravar. Nesse sentido, era inédita sim, porque nunca tinha gravado, mas não tinha esse ineditismo [...] das outras músicas inéditas do projeto. ‘Virou Areia’ faz parte de um bloco de músicas, são músicas de ficção científica que fiz com Bráulio. Que fiz e que faço até hoje com Bráulio Tavares.” Do It “Ela entrou em Belíssima [novela da TV Globo], e depois teve uma outra gravação pro SporTV, por causa do Brasileirão que tava acontecendo. Então esta música teve desdobramentos, mas esta foi feita pro projeto. Ela era inédita nesse sentido mesmo, fiz pro projeto. Queria que tivesse essa característica, um projeto novo, só que não estava começando com um CD, eu estava começando com um DVD. Ela é muito roqueira, a alma dela é roqueira, tem a coisa do riff, um riff meio Megadeth, pesado, sabe? Sou apaixonado por Led Zeppelin. Então, assim, os meus Beatles foram uma espécie de mistura de Led Zeppelin e The Police, sabe? Então, de alguma maneira, essa coisa mais pesada do riff, mais radical, tá muito presente nas minhas músicas, sabe? Acho que ‘Do It’ é muito isso aí, é uma parceria com o Ivan [Santos] e, apesar de ser um compasso composto, ela tem essa coisa também de falar no imperativo, que é uma coisa do ‘faça’. A gente tem uma coisa no Brasil, do gerúndio, que não significa nada – que vou dizer pra você: ‘Ah, vou tá te ligando’. Mentira, não vai te ligar. No Brasil, a gente costuma usar o gerúndio pra dizer nada [risos]. ‘Estou chegando’. Mentira, nem saiu de casa. Então a música fala muito sobre o imperativo, o que urge, é usar no presente perfeito, sabe?” Paciência “‘Paciência’ já havia gravado... já sabia dessa [...] estranheza. Eu falo isso, porque sempre dou ouvido a uma senhora, que chamo de senhora estranheza. Sempre me questiono se aquilo já não foi feito, sempre questiono se… É bacana procurar um outro caminho que ninguém trilhou. Então sempre estou nessa. Mas, por outro lado, sempre procuro uma simplicidade. Em torno do meu processo de compor e gravar, tem sempre isso de complexar, de tornar complexo, de botar muitas coisas, e depois, num segundo momento, ir tirando, ir subtraindo, tirando, tirando, tirando até ficar o mínimo. ‘Paciência’ é uma canção do mínimo. A gente procura alcançar isso, mas nem sempre a gente alcança. De tocar a alma do outro sem a necessidade, sem a complexidade de entender muito bem como se dá isso, sabe? Então ‘Paciência’ reverbera pra mim… Eu persigo eternamente uma simplicidade, de não ter muitos subterfúgios nas coisas. Apesar de a senhora estranheza estar sempre no pé do meu ouvido falando [risos].” Todos os Caminhos “Dudu [Falcão] é parceirão meu nas baladas. Aliás, quando começo a fazer alguma balada, já penso em Dudu, [com] uma maneira de compor que é muito propícia e benéfica ao pique desta canção, que é construir a melodia, e a harmonia ser assim, um entorno. Tem as canções que buscam muito essa simplicidade melódica, Dudu é meu parceiro nesse caminho assim. Então... esta, juntamente com ‘Virou Areia’, tinha o ineditismo, tava gravando também pela primeira vez, se não me engano. É uma canção que já havia feito, mas nunca havia gravado.” Tomando El Centro “Aqui cabe falar um pouco, não só da música ‘Tomando El Centro’, que é uma joia, uma pérola como canção, mas falar também sobre a Yusa e como a conheci. Quando houve o convite pra participar do encerramento do festival de cinema em Cuba, a orquestra de Robertico Carcassés, que foi uma orquestra que me recebeu lá, para tocar o meu repertório, a pessoa que tava tocando baixo nessa orquestra era a Yusa. Conheci a Yusa e foi muito incrível, porque a ilha, apesar do isolamento, pra quem é músico, as pessoas se cotizam em uma coletividade maravilhosa. As músicas vazam a barreira do isolamento e a música chega lá – como eu não sei, cara, mas assinei uns cento e tantos discos piratas. Então existia lá uma certa pirataria do bem, digamos assim, naquele momento em que estive na ilha, isso em 2000, veja só. Isso foi muito incrível, porque a Yusa chegou pra mim: ‘vem cá’, e me perguntou daquele jeitinho dela: ‘você toca aquela música...’ e me mostrou como eu tocava determinada canção e fiquei encantado, porque ela pegou, não só as minhas harmonias, que não são assim tão cabeludas, [...] mas principalmente a maneira como eu toco. Como exploro a sujeira do instrumento, digamos assim, o trastejado que a corda dá, exploro isso em benefício da canção. E isso é uma peculiaridade que não é todo mundo que percebe, que entende isso como uma ferramenta a serviço da composição. Tenho muitas composições em que é a ruindade que faço no instrumento que é a base da música. E ela, cara, percebeu todos esses pequenos, digamos, malabarismos que faço com meu instrumento, e isso me impressionou. Ela começou a me mostrar algumas canções e me apaixonei de vez, porque é uma compositora maravilhosa, uma pianista, que não dá pra mostrar no DVD, no show In Cité, porque não havia piano, mas é uma pessoa muito especial, uma grande compositora. Eu a convidei porque fiquei impactado com a pessoa que é, com a compositora que é, com a musicista que é. Ela canta e fez todos os vocais do show. É uma pessoa muito especial, uma grande instrumentista, uma grande baixista. E esta é uma canção muito brasileira, digo brasileira no sentido da mão direita, a gente tem uma escola do violão brasileiro, que vem há muitos anos se concretizando. Tem Dilermando Reis, João Pernambuco, Egberto Gismonti, Jorge Ben, João Bosco, Djavan, Tom Jobim, tudo isso é violão, Dorival Caymmi… A gente tem uma linha evolutiva no violão e, nesse sentido, Cuba tem uma proximidade muito grande. Porque eles também têm no violão a forma mais popular de expressão, e ela é cheia de suingue, gente [risos]. Então isso foi fundamental, depois ficamos muito amigos, fizemos várias coisas juntos. Enfim, é uma queridaça.” O Marco Marciano “Na verdade, é uma canção que tinha saído antes e tem a ver com aquelas fotos que apareceram como uma esfinge, como uma cara, e depois se descobriu que era só erosão [em Marte]. Mas que dentro da canção popular e da música nordestina, todos os grandes criadores procuravam se vangloriar de suas músicas falando sobre o marco. Eu fiz um marco, olha aí… Ele constrói um marco de palavras, de versos, pra se autopromover. Todo mundo fez o marco brasileiro, o marco cearense, o marco nordestino. Aí eu e Bráulio [Tavares] resolvemos fazer o nosso marco lá em Marte [risos]. É mais uma canção de ficção científica desse bloco de canções que a gente sempre faz, eu e Bráulio, tem sempre esse viés, porque somos dois apaixonados por isso.” Olho de Peixe “É uma canção que também fala muito de uma viagem introspectiva, do autoconhecimento, né? E ‘Olho de Peixe’ fala muito dessa coisa de a gente ter uma aspiração, de sempre se perguntar por que nós temos um porão cheio de bichos, mas a gente nunca se questiona, e no sótão, o que é que tem? No porão, sei que tá cheio de bicho, mas e no sótão, o que é que tem? [risos] Então a música fica com essa pergunta, ela joga essa pergunta no ar: ‘Se na cabeça do homem tem um porão, onde moram o instinto e a repressão, o que é que tem no sótão?’” Crença “‘Crença’ é inédita também, reverberando mais uma vez essa coisa celebrativa que tenho com a vida, e é uma grande verdade, né, acreditar. Nos tempos de hoje, acreditar tá sendo o mais difícil de tudo. Diante de tanta dissimulação, com as pessoas falando uma coisa e fazendo outra, crença continua sendo muito atual. A gente precisa crer, o sonho só se concretiza a partir da crença... é fundamental a gente crer. Essa música também é com o Dudu Falcão, não por acaso, tá vendo, é um baladista como sempre, e fala disso, dessa necessidade da gente ainda acreditar no ser humano. E, como te disse, eu sou celebrativo, continuo acreditando nessa possibilidade de se rever e de se transformar.” Rosebud (O Verbo e a Verba) “É o mestre Orson Welles. É uma brincadeira, porque ‘Rosebud’ é uma brincadeira entre dolores e dólares [risos]. É o eterno embate entre o verbo e a verba. Então ‘Rosebud’ fala justamente isso, que o verbo saiu com os amigos, e vem a verba e vê o verbo se suicidar [risos]. E quando chegou, era tarde demais [risos]. É um mundo hipotético, nada tão distópico quanto o que vivemos hoje, e tem essa aproximação também com a música latina, viu? Sempre. Isso é outra constante, do pensamento, da criação do raciocínio, o fato de ser latino – como a gente constrói o nosso pensamento é muito bacana. Entender que eu sou melhor compreendido quando canto em um lugar que é latino, isso é fundamental pra mim, já que 50% do que faço são as palavras que uso. Então estou sempre reiterando essa condição de ser latino sim e com muito orgulho, e parte fundamental do que faço tem a ver com a língua que eu uso.” Todas Elas Juntas Num Só Ser “‘Todas Elas Juntas Num Só Ser’ [foi escrita para a mulher de Lenine], embora ela não goste de algumas estrofes, de duas ou três ali. O fato é que é uma ode à minha Anna e a todas as musas, ou às pessoas que foram musos e musas para criadores. É bacana falar que a letra original, que é do Carlos Rennó, na verdade tinha 13 estrofes e eu gravei apenas sete delas. As outras estrofes estão aí no limbo [risos]. Poderia ter feito ‘Todas Elas Juntas 2’ ou ‘3’, pela quantidade de musas, que ainda continua aumentando. Mas o fato é que, pra fazer com que ela ficasse com seus seis minutos e pouco, tive que cortar muita coisa. Isso foi motivo de muita conversa com meu querido parceiro. Até porque teve a questão do que era mais representativo pra gente usar, porque é muito difícil de você reter a atenção das pessoas por tanto tempo só com nomes; porque é isso, são infinitos nomes de musas e os seus respectivos criadores. É um corolário muito gigantesco de nomes.” Candeeiro Encantado “O ‘Candeeiro Encantado’ na época em que foi lançado, foi uma grande comoção, né? Até porque reverbera o cangaço de uma maneira geral e um certo orgulho que está associado a esse movimento na história do Brasil. Na gravação original, a gente pinçou um trecho do filme de Glauber Rocha, ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, e o que a gente pinçou reverberava muito essa noção, essa deformação social que gerou o banditismo no Nordeste. ‘Candeeiro Encantado’ fala muito desse momento, só que em uma ode ao espírito revolucionário, digamos assim, de Lampião. Embora a gente saiba, hoje, que Lampião era uma pessoa que não tinha muito código de ética, não. Era um cara que estava sujeito às coisas mais estapafúrdias que aconteciam na vida dele, [...] e por um lado ele podia dar um exemplo de generosidade, e por outro, ser o cara mais cruel que a humanidade pudesse gerar, sabe? Então é uma figura muito dúbia, mas ‘Candeeiro Encantado’ é uma coisa mais lúdica, que fala desse espírito de não se entregar.” Sentimental “É uma parceria também com Arnaldo [Antunes, além de Lula Queiroga], que é outro queridaço. Essa canção foi feita aqui, pra esse espetáculo, Lula também gravou, mas nós fizemos ali, botamos todo mundo junto, porque ‘Sentimental’, de início, era uma canção minha e de Lula, com a qual a gente nunca tinha ficado satisfeito com a parte da letra. E eu, ousadamente, cheguei no meu parceiro e disse: ‘Arnaldo, vem cá. Pega isso aqui, vem cá. O que tu acha e tal?’. E foi feito a três nesse sentido, né? O ‘In Cité’ tinha essa conotação do mínimo, de trabalhar com o mínimo. Nesse sentido, tive que adequar os arranjos a esse tipo de set, no máximo um instrumento de harmonia, um baixo e algum set rítmico. Isso em todo o espetáculo, né?” Lá e Lô “‘Lá e Lô’, de alguma maneira, fechava o ciclo, né? Tenho essa impressão com a minha discografia, de que o ‘In Cité’ é como se fosse um outro ‘Olho de Peixe’, que fiz com o sentido de trabalhar com o mínimo, trabalhar com a síntese, o projeto todo foi gravado ao vivo, porque o Olho de Peixe foi praticamente todo gravado ao vivo. Foram três finais de semana, de sexta a domingo, no estúdio... A gente ligou tudo e tocou. Então tem esse tipo de similaridade no DNA do projeto, sabe? Então ‘Lá e Lô’ reverberava também. É uma canção só minha, porque tem muito de um ritmo que achei no violão, porque geralmente quando você fala em maracatu, as pessoas pegam a polirritmia dos bumbos, que são bem característicos, são quiálteras. E eu, em ‘Lá e Lô’, me inspirei na caixa do maracatu, que é um pouco diferente, a caixa é que faz o arrastado daquelas sequências baixas, é o chão do lance. Então ‘Lá e Lô’ é uma descoberta de poder usar as frequências médias como um estímulo para compor. E aí fazer com que o outro perceba que aquilo é um maracatu, apesar de não ter aquelas batidas que são características do maracatu. Então ‘Lá e Lô’ tem muito essa pesquisa de como executar um maracatu no violão.” Jack Soul Brasileiro “[‘Jack Soul Brasileiro’] corrobora tudo, porque eu estava tocando na França, estava fechando o negócio com dois latinos [risos]. E, bom, é uma canção que na verdade homenageia não só Jackson [do Pandeiro], mas a forma de… a percussão vocal com que o Jackson é característico. Então, Jackson foi o maior percussionista de boca que o Brasil já produziu, a meu ver. Ele e Miltinho foram duas pérolas que resolveram aprofundar de tal maneira o ritmo na execução vocal, que é muito genuíno – só os dois criaram isso. Então em ‘Jack Soul Brasileiro’ não só estou falando do meu orgulho de ser brasileiro, mas, por ser brasileiro, tem essa música mais ampla e rítmica, e também enaltecendo a figura do Jackson, que é uma figura ímpar que deixou escola, mas que foi ímpar, ele foi junto com Luiz Gonzaga as pessoas que formataram a cultura nordestina no Brasil.”

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