Tão Real

Tão Real

Rashid nunca faz lançamentos normais para os seus álbuns. Se em “Crise” (2018) ele foi construindo o álbum single a single, em “Tão Real”, seu sétimo trabalho, o rapper resolveu dividir o álbum em três temporadas, como se fosse uma série de TV. Uma estratégia de marketing, além de conceito, para atrair o público em um ano recheado de lançamentos de grandes nomes do rap nacional como Emicida, Rael, Black Alien, Rincon Sapiência, Djonga, Drik Barbosa. “Uma das coisas que ficava martelando aqui na minha mente era como ser ouvido nesse meio todo. Em 2019, como eu vou ser ouvido pelas pessoas?”, explica Rashid. “Sei que os fãs vão ouvir, o fã sempre vai parar para ouvir e tal, mas como conseguir ser ouvido maciçamente e, ainda assim, conseguir ser ouvido por novas pessoas? Porque um álbum tem esse trabalho, ele tem o papel de suprir a necessidade da ‘fanbase’ e chegar a outros lugares também.” “Tão Real” traz participações especiais de alguns dos “concorrentes” de Rashid nos lançamentos do ano, como Emicida, Rincon Sapiência e Drik Barbosa, além de trazer colaboradores que o rapper admira, mostrando toda a sua versatilidade de estilos: DUDA BEAT, Lellê, Luccas Carlos, Dada Yute, Wesley Camilo, Lukinhas, Tuyo e Srta. Paola. “Este projeto nasceu mais de uma necessidade criativa. Obviamente, de uma necessidade mercadológica de colocar um álbum na rua”, conta Rashid. “Venho do meu penúltimo álbum, ‘Crise’, que para mim é um dos meus melhores trabalhos. Como fazer um trabalho no mínimo tão bom quanto o último e que oferecesse novos desafios artísticos?” O título, “Tão Real”, diz muito sobre o que Rashid quis passar ao longo das 18 faixas e três temporadas. Um artista real, sem máscaras, humanizado, em um dos seus trabalhos mais pessoais, que enfrentou diversos problemas particulares que acabaram refletindo nas rimas, conforme ele mesmo explica faixa a faixa abaixo: 01. Conceito (De Rua) “Já queria começar, na era do trap, queria começar o álbum com um boom bap bem noventista, para já causar um contraste, nada de mais, e nada do tipo, ‘Nossa, o Rashid tem algo contra o trap’. Nada disso. Mesmo porque no próprio ‘Tão Real’ tem alguns traps, algumas bases de trap, mas só queria causar um efeito na molecada que ouvisse. Causar aquele bate-cabeça individual quando a pessoa fosse ouvir sozinha. Todo o conceito desta faixa vem de um pensamento meu, de uns quatro anos, o lance de que álbum conceitual virou uma espécie de demanda de mercado. Não é difícil você encontrar álbuns em que o artista diz que tem um determinado conceito e você não consegue encontrá-lo. Muitas vezes o artista se sentiu pressionado em criar um conceito em cima daquilo que ele estava fazendo, porque era assim que o mercado ia aceitar melhor, tá ligado? Este álbum, como falei, ele é só criatividade com caminho livre, a força bruta da criatividade. Ele não tem conceito musical. É meio que uma mensagem para os próprios artistas e, ao mesmo tempo, para mim mesmo. Só que quando entra no rap, muda um pouco. Entra o lance do conceito de rua, que a gente falava muito e tal. De você ter respeito na rua. Esse cara tem o conceito na rua, que é uma coisa que sempre prezei no meu trabalho, que é me comunicar com quem está na rua, com todas as gerações da música que faço, da música rap. Para que as pessoas entendessem o respeito que tenho por essa cultura e que de alguma forma eu sei que vai voltar para mim. Se você não tem esse conceito na sua personalidade, na sua caminhada na rua, de nada adianta sua arte carregar isso. É mais ou menos essa a ideia.” 02. Não Pode Part. Luccas Carlos “A participação do Luccas Carlos veio antes do tema da música. Ouvi essa batida e pensei, ‘Tem muito a cara do Luccas Carlos’. Imaginava muito ele fazendo alguma coisa ali. Mandei para ele um dia e falei que daqui há um tempo ia chamá-lo pra gente fazer uma nova música. Até porque ‘Bilhete 2.0’ estava bombando. Falei, ‘Mano, a gente vai fazer outra parceria junto e essa vai ser pesada’. Num dia, escutando uma música do JAY-Z chamada ‘So Ambitious’, que tem participação do Pharrell, e no refrão ele fala, ‘a minha motivação são eles me dizendo o que eu não posso ser’. Aquilo bateu demais para mim, conversou muito comigo. Fiquei com isso na mente e, quando voltei a ouvir aquela batida, que eu tinha mandado para o Luccas, falei: ‘É disso que a gente tem que falar aqui’. Bagulho de as pessoas falarem que a gente não pode fazer isso, não pode ser isso, você não pode chegar a tal lugar. Enfim, é um tema que conversa muito com a temática da nova geração, mas também conversa com a mensagem que todas as gerações do rap quiserem passar. A partir daí, foi tentar escrever o melhor verso possível em cima da batida. O Luccas Carlos arregaçou na parte dele, as pessoas imaginaram que ele viria cantando o refrão, só que quem canta o refrão sou eu. Ele vem e faz uma rima, um verso, mandou bem demais.” 03. Todo Dia (Part. Dada Yute) “Dada Yute é um cara que já tem um respeito na cena do reggae há algum tempo, um cara que está há muitos anos fortalecendo, fazendo um som e tal, flutuando nessa cena mais underground. Sempre tive vontade de fazer um som com ele, até porque gosto muito de reggae, é um estilo de música que gosto muito de pesquisar e achar novos sons. Um dia, estava vagando ali pelos meus ‘stories’ e vi o Skeeter, que é o produtor desta batida, fazendo esse beat. Era um beat qualquer, podia ter chegado qualquer um lá e pedido essa batida. Falei, ‘Mano, pelo amor de Deus, me manda essa batida quando você terminar que eu quero fazer uma música com o Dada Yute’. A questão era que eu nem conhecia o Dada Yute ainda, só conhecia o trabalho dele. Fui no Instagram mesmo e mandei mensagem para o Dada Yute, ele respondeu supersolícito. Esta música nasceu de uma necessidade que era a seguinte: o álbum inteiro foi trilhado pelo que eu estava vivendo naquele momento, não necessariamente pelo que estava querendo criar, estava deixando as coisas nascerem assim. Chegou um momento que falei, ‘Não estou falando praticamente de política neste álbum’. Não me deixei ser pautado pelo bico sujo que está aí, mas acho que preciso falar alguma coisa também, não dá para passar tão limpo assim. Esta música veio exatamente neste momento, é aqui que eu vou falar. E tem a ver com essa coisa, o reggae e o rap andarem juntos, tem esse mesmo direcionamento de postura. O Dada Yute é um cara engajado, sempre defendendo o direito dos pretos e dos pobres nas músicas dele também.” 04. A Busca “’A Busca’ é uma das músicas que mais reflete essa coisa da criatividade do álbum. Ela nasceu de uma forma bem descompromissada, é uma produção minha, é um instrumental que fiz quando estava garimpando coisas para o álbum, ouvindo batida, ouvindo música, uns álbuns, e com o teclado ligado tentando fazer algumas coisas. Até que achei uns timbres, comecei a mexer, fiz a batida desta música e gostei muito da energia. Porque é o tipo de música de que gosto muito, esse tipo de rap com essa energia você vai encontrar vários assim no meu catálogo, gosto muito. Então, fiz esse beat e parei para escrever. É uma letra curtinha, fiz em 40 minutos, supersimples. Não tem a pretensão do tipo, ‘Nossa é aqui que vou mostrar toda a minha habilidade de MC’. Não tem nada disso. Letra sucinta, bem direto ao ponto, bem direcionada. Estou sempre buscando fazer músicas melhores, mais passionais, que tragam cada vez mais esse meu sentimento de amor pela arte. Esta música traduz isso, ela foi feita de uma forma muito rápida, descompromissada. No final das contas, a energia dela acaba comunicando muito mais do que a letra.” 05. Tão Real “Foi uma das últimas músicas que compus para o álbum, porque após esse processo todo, tinha passado por várias experiências. O ano de 2019 foi bem conturbado em casa, na família. Minha esposa fez uma cirurgia supercomplicada, então foram coisas que foram mexendo com a minha rotina da vida cotidiana. Não tem como isso não parar na arte. Essa coisa da cirurgia da minha esposa é um dos fatores, várias coisas acontecendo, a cabeça superbagunçada. Falei com o DJ Duh, que é o produtor da faixa: ‘Preciso fazer uma música que é o seguinte, tô passando por muita coisa esse ano. Não tem como passar por tudo isso e não falar nada, preciso colocar isso para fora’. Porque é a minha terapia de fato. Muitas músicas acabam nem indo para rua, mas é a minha forma de esvaziar a minha mente. Foi como se eu estivesse sentado de frente para o terapeuta, mesmo. Trocando uma ideia. Gosto dessa honestidade na arte, quando você mostra a sua vulnerabilidade. Acho que você mexe mais com as pessoas nesse ponto do que quando tenta ser super-herói para todo mundo. É esse tipo de música que mexe com a gente, fui muito inspirado na vida por músicas desse tipo, que meus ídolos faziam. O título ‘Tão Real” veio porque, quando comecei a olhar, quando você se afasta para olhar o quadro por inteiro, comecei a ver que tinha muito esse lance de voltar pra rua, de falar com as pessoas. Tinha essa coisa de buscar essa honestidade que é quase ingênua em todo mundo, a pureza, sem muita máscara. Aí eu vi que a música tinha isso e o álbum tinha isso também. Então batizei a música e o álbum naquele momento.” 06. Superpoder (Part. Lellê) “‘Tão Real’ fala que o mais próximo que eu chego perto de uma capa é quando abro e fecho o meu caderno, não tenho nada de herói, estou me humanizando ali. E, na sequência, vem uma música ‘Superpoder’, tá ligado? Talvez, olhando, até pareça algo contraditório, mas, quando você ouve a música, vê que o meu superpoder é a dedicação, vontade de fazer as coisas acontecerem. Sinceramente, não foi uma coisa pensada tão friamente. Foi mais uma coisa de sentir o que cada música estava falando. Foi assim que tentei organizar as três temporadas. ‘Superpoder’ tem essa parceria com a Lellê, que é uma baita cantora, está vivendo um ótimo momento da carreira dela. Uma música que fiz para escutar de manhã, na hora de ir trampar. Porque pensei muito nisso, a gente queria fazer uma música que tivesse, de certa forma, uma cara mais pop, um violãozinho, aquela coisa da rádio. Que fosse uma mensagem para o povão mesmo, a pessoa que está tomando café. Foi nesse momento que pensei este som na hora de escrever, uma coisa meio: ‘Tô no corre por nós’. Isso se encaixa para todos. Pra mim, para o pai de família que tá fazendo a correria com os filhos em casa para garantir o presente de natal. Se encaixa na vida da mãe solteira ou da mãe não solteira também, que está fazendo o corre dela, trampando, subvertendo a ordem das coisas. Uma coisa inspiradora mesmo, um carinho. Tem uma música do Rappin Hood que inspirou a gente, quando eu estava compondo, chamada ‘Suburbano’.” 07. SSNS “Uma música que fala sobre a dualidade do dinheiro. Dinheiro por muito tempo foi um tabu no rap brasileiro, falar sobre dinheiro. A cultura brasileira foi construída dessa forma também, aquela coisa: mais fácil um camelo passar num buraco de agulha, do que um rico entrar no reino dos céus. É uma passagem da bíblia, mas interpretada de uma forma totalmente distorcida. Muitas vezes, quando os Racionais tentavam falar, ‘Um por amor, dois por dinheiro’, o pessoal questionava: ‘Quer dizer que você quer dinheiro?’. É óbvio que eu quero dinheiro, vai fazer a compra com o quê? Ele não está falando que quer dinheiro a qualquer custo, ele está falando que quer dinheiro. Não tem nada de indigno nisso. Não tem problema você ter dinheiro, o problema é você querer a qualquer custo, pisar na cabeça dos outros. Esta música fala dessa dualidade que a gente vive com o dinheiro. Porque, muitas vezes, você está trampando e ganha dinheiro, não precisa mais ficar fazendo discurso de sofrimento. Minha vida mudou completamente, o rap mudou a minha vida, mudou meu estilo de vida, meu custo de vida. Você que está ganhando o seu dinheiro, você que manda no seu dinheiro. Não adianta passar a vida juntando e correndo atrás do dinheiro e morrer sem usufruir de nada.” 08. Bem Loko (Part. Rincon Sapiência) “Outro rap de tema, uma música sobre o alcoolismo, apesar de ela falar sobre o ato de beber, ela não é uma crítica a quem bebe, nem nada. Na verdade, é uma espécie de alerta, aquela coisa: ‘Mano, você está bebendo todo dia, não faz nada se não tomar um drink’. Vários de nós temos amigos assim, familiares. Sempre tem aquele tio que fica no bar direto, o tio que bebe a vida inteira e acha que não se viciou ainda. Falo algumas situações de família e são todas reais, tudo o que eu falo ali é real. Tenho alguns casos na minha família de problema com alcoolismo, inclusive um tio que foi assassinado na porta do bar. Queria trazer esse questionamento à tona, mas sem parecer professoral demais, sem querer ser moralista. Minha intenção era me colocar no lugar das pessoas, porque vi essas coisas acontecerem em vários momentos da minha vida. Eu e o Rincon tivemos toda essa conversa. Ele mandou um verso dele, que está muito bom por sinal. Conheço o Rincon desde 2006, as únicas músicas que a gente tinha juntos eram em trabalhos de outras pessoas. A gente está sempre por aí se trombando, conversando e não tinha um som. Chamei ele para fazer isso daí porque tinha a cara dele, ainda mais ele, que é um cara que fala de festa para caramba.” 09. Apavôru “NAVE é o produtor, ele me mandou esse beat. Falei, ‘Mano, pelo amor de Deus’. Sempre que vou começar um álbum novo preciso falar com o NAVE, ele é um cara imprescindível. Me mandou essa batida totalmente descompromissado. Confesso que demorei muito para escrever esta música, porque não sabia exatamente o que falar, para qual caminho ir. Acabei indo para esse caminho da pista, mas eu não sou um cara festeiro, tá ligado? Então, se você reparar bem na letra, vai ver que tem um duplo sentido, que eu estou na pista, mas na pista do business, do trampo. O refrão fala como se fosse uma festa, um baile, mas quando você vir sob essa outra perspectiva que falei, você vai entender, porque eu estou sempre ali. Na correria da música. Porque eu não sou o cara da festa, sou o cara que cola na festa, o segura-parede, não sou o Rincon, que mete dança. Sou observador.” 10. Sobrou Silêncio (feat. DUDA BEAT) “Para esta música fui atrás dos Dogz, que é um trio de produtores formado pelo Pablo Bispo, Sergio Santos e Ruxell. Eles produziram alguns dos vários hits da IZA, algumas coisas da Gloria Groove. Estava propositalmente procurando um rap mais pop, bagulho diferente, que não fosse ‘Bilhete’ de novo, mas que fosse alguma coisa que pudesse mandar para o rádio. Eles mandaram três músicas, todas incríveis. Este som já veio com uma sugestão de refrão, uma música muito visual na minha cabeça, ela é muito um filme. Falo até que, na minha cabeça, esta música são dois super-heróis, que são um casal, que não conseguem se trombar porque eles têm que salvar o mundo. Aí trouxe para vida real, uma coisa que hoje em dia é muito comum, um casal que não consegue se trombar por causa da correria. Fica ali naquele relacionamento por mensagem e, no final das contas, por mais que troquem palavras por WhatsApp, sempre fica o silêncio. O silêncio da voz, daquele encontro olho no olho, na ponta do bigode, como se diz. Esse tipo de silêncio que sobra, mas se você for olhar de uma forma mais geral, é uma coisa do relacionamento geral da humanidade nesse momento. Uma das frases que as pessoas mais publicaram, quando a música saiu, foi uma das frases mais ingênuas da música, que é: ‘Não se mata a saudade por mensagem’. Para quem vive uma coisa assim, essa frase, por mais ingênua que pareça, ela bate, né? Estava ouvindo muito o álbum da DUDA BEAT e falei, ‘Mano, essa guitarra da música está me levando para uma atmosfera meio que dos sons da Duda’. A gente já tinha trocado ideia nos bastidores do Lollapalooza, mas aquela coisa rápida, fiquei muito surpreso que ela gostava do meu trabalho, bateu a energia. Quando ouvi o som, pensei que tinha a ver com a voz dela e mandei mensagem para ela na hora. Mandei mensagem para ela numa quinta-feira e, na segunda, ela já estava me mandando mensagem com a vozes. Acho que a música acaba passando isto, quando a pessoa abraça o projeto e faz com muito boa vontade.” 11. Carrossel “Fui ao estúdio do Lucas Silveira, do Fresno, que é um cara que produz demais, ele está mandando muito bem nas ‘produça’. Ele me falou que tem esse duo de produção, que é ele e o Tiago Abrahão. Falei que queria fazer alguma coisa para o álbum, estava procurando coisas diferentes dessa coisa de quem tem a mão quente para produzir, sonoridades diferentes. No dia que fui lá, ele começou a fazer essa batida de ‘Carrossel’, deixamos de lado e começamos a trabalhar em outra. Passou umas semanas e sabe quando o trabalho está naquela fase do ‘overthinking’? Pensando demais e não estava saindo nada. Estava desistindo da música e ele veio, mostrou o que aquela batida tinha virado. Falei, ‘Mano, é essa’. Naquela outra batida que a gente estava apostando não estava conseguindo escrever, deixei para lá, vai ser essa. Ela veio com o nome ‘Recreio’, que era o nome da batida, então já sugeria uma coisa meio infantil e tal, só que um caos meio infantilizado. Então, na hora já veio aquela imagem de parque de diversão, aquela fila do brinquedo cheio de crianças e os pais meio de saco cheio. No final das contas, o lance do carrossel ganhou uma cara que nem eu imaginava quando comecei a canetar. Uma coisa da rotina girando, das coisas que a gente faz, de coisas que a gente deveria ter feito em algum momento, elas não vão mais passar por nós. Tem vezes que o carrossel não vai dar essa volta completa, ou não vai chegar até você. Outra pessoa vai chegar e vai subir nesse cavalinho, porque naquele momento você vacilou. Uma metáfora para esse tipo de coisa.” 12. Um Mundo de Cada Vez (Part. Drik Barbosa e Wesley Camilo) “Essa música tem produção do Luiz Café, que é um engenheiro de som clássico no rap brasileiro. Um cara que já tinha trabalhado comigo no meu primeiro projeto, em 2010. Ele me mandou este instrumental e, depois de ‘Todo Dia’, acho que é a música que mais se aproxima de uma mensagem política. Ela trata mais da humanidade das coisas. Por que você não escuta ninguém? Não conversa, só espera a sua vez de falar. Por que você está trancado na sua bolha? Faz tanto tempo assim? Fica apontando para as pessoas de dentro delas como se elas estivessem erradas, mas é você que está dentro do seu mundo e não para para ver o lado de ninguém. Se fosse colocar a música em palavras, seria a música da empatia. A Drik veio participar porque fazia tempo que eu queria ter uma mulher rimando numa música minha. Acabava chamando sempre para fazer um refrão, um coral. Ninguém melhor do que a Drik para isso, nesse momento é uma artista com quem me identifico muito. Ouço muito as músicas dela e tem tudo a ver com o tipo de mensagem em que acredito. O verso dela somou absurdamente na música. O Wesley Camilo também é um baita de um cantor. Esta música foi feita em mãos de amigos, tá ligado? Amigos que estavam pensando a mesma coisa.” 13. Visão “Em ‘Um Mundo de Cada Vez’ tem uma linha em que falo: ‘E eu artista, achando que tenho a visão. Que tô vendo alguma coisa ali que eles não’. E a próxima música é ‘Visão’, uma música que, se você colocar de frente com ‘Um Mundo de Cada Vez’, ela mostra quão limitada é a minha visão, porque eu estou falando de rap, de rua. Ela é uma música que nasceu para eu me divertir como MC, tipo assim, quero rimar. Mas sempre passando um papo ali. Não que isso seja obrigação, mas é a minha visão de onde estou e aonde quero chegar também. Mas gastando, deixa eu gastar minha caneta aqui, fazendo umas rimas da hora. Quero fazer um rap pancadão, gastar a caneta, e é isso. É criatividade.” 14. Blindado “Minha discografia é muito baseada no que eu vivo, sabe? Nos momentos da minha vida. Então, no meio de todas essas conturbações que passei este ano, tiveram coisas do tipo de eu entender a real da personalidade e intenções das pessoas. É muito difícil para mim não externar isso na música. Faço da forma mais respeitosa possível. Por mais que a pessoa tenha me decepcionado, não é para sair falando o nome da pessoa. Não é uma indireta, é uma terapia. Então, não falei diretamente para ninguém. É uma música para invocar essa blindagem antifalsos, antibico sujo e anti-haters também. No final, coloco uma mensagem de voz que recebi da minha mãe, porque o importante é isto, minha mãe está feliz vendo o que estou fazendo. Minha mãe está orgulhosa de mim, a mensagem subliminar do áudio dela é isso. O que importa real para mim é isso. Judas tenta se envolver, mas nós estamos blindados. Quanto mais gente gostar de nós, vai ter mais gente não gostando também. A gente tem que atravessar essas tempestades e sair do outro lado intacto, sempre foi dessa forma.” 15. Pipa Voada (Part. Emicida e Lukinhas) “Esta é a outra com batida dos Dogz. Quando a recebi, mandei-a para o Emicida, porque queria fazer um som com ele. Falei para ele: ‘A gente ia para os eventos de chinelo, tudo largado, nós não tínhamos um real no bolso e agora nós mudamos de vida, já pensou a gente colocar uma música na rádio juntos?”. Então, ela nasceu nesse intuito. Ele gostou desta batida, que acabou virando ‘Pipa Avoada’. Esta batida tem um clima muito bom, dá vontade de sair rimando. Já tinha uma sugestão de refrão que os caras tinham mandado, sugestão de tema, e a gente resolveu discorrer sobre isso. A gente já tinha uma música começada, que é meio esse papo assim, eu falando para ele sobre a mina que me deixava nas alturas, que é a metáfora da ‘Pipa Avoada’. E ele falando para mim, nós dois contando a história da mina por quem a gente é apaixonado. ‘Pipa Avoada’ meio que virou a substituta espiritual dessa música que a gente estava fazendo.” 16. Meu Amigo Tempo (Part. Tuyo) “Este som é uma reflexão sobre o lance do tempo, porque, enquanto minha esposa estava no hospital, tive muito tempo para poder pensar nas coisas. Esta música tem essa coisa da sala de espera, de estar esperando algo e o tempo não passar. Ao mesmo tempo que você fica a semana inteira esperando para ver o jogo do seu time, e aquele jogo acaba em menos de duas horas, passa muito rápido. Agora, fica essas duas horas esperando notícia de algum familiar no hospital para você ver o quanto demora. É uma reflexão filosófica sobre o tempo. Em alguns momentos da música brasileira já foi feito isso, mas eu nunca tinha feito, nunca tinha dado o meu pitaco. Fiz agora com o pessoal da Tuyo e, mano, o pessoal canta demais. A música engorda, ganha corpo, se transforma num musicão quando eles entram. Música que é para ser sua companheira, para quando você estiver num momento como esse, para fazer companhia para pessoa. Seja agilizado, não precisa ser apressado. Ela foi a última música a ser feita, substituiu outra. Ela veio no tempo dela, veio na prorrogação e virou titular.” 17. Casca “‘Casca’ é sobre ser o que você não quer ser, ser aceito para agradar, sobre se vestir de outra coisa, colocar uma máscara sobre si que você não queria colocar, mas você precisa. Se não, você não consegue determinado emprego, não consegue determinada amizade ou determinado relacionamento. Acho que um dos pontos deste álbum, o que ele me causou, foi essa descoberta: eu valho a pena. Falar o que está na minha cabeça vale mais a pena do que tentar falar o que as pessoas querem ouvir por aí. O artista vive essa dualidade eterna do que eu vou fazer: faço só o que eu quero ou o que as pessoas querem? Nas duas pontas você corre o risco. O artista é o cara que tira o bagulho do fundo da alma dele e coloca na rua para as pessoas dizerem se é bom ou não. Ele coloca na rua para ser julgado. Você vive um eterno show de calouros. ‘Casca’ veio para falar sobre essa agonia, só que transformei numa pessoa que trampa num escritório e, ‘Mano, gosto de outras coisas, o que eu estou fazendo aqui?’. Mas não estou incentivando ninguém a pedir demissão, estou incentivando a pessoa a se descobrir. Meu incentivo aqui nesta faixa é para entender o que é você real. A gente sempre pensa nesse lance do eu de uma forma muito superficial, a gente renega o nosso eu real.” 18. Eu (Part. Srta. Paola) “É uma das músicas mais pessoais do trabalho todo, talvez da minha carreira toda. Este álbum ajudou a me descobrir, onde está a minha criatividade, o que gosto de falar, o som que gosto de fazer. Não o som que as pessoas gostam que eu faça, ou que, se eu fizer, eu vou ser aprovado, tá ligado? Esta música é sobre isso, um desabafo direto sobre isso. Por muito tempo fiz as coisas esperando aprovação de outras pessoas, de outros artistas mais velhos, amigos, família. Há algum tempo essa consciência foi despertada e só agora… não é nem que eu escolhi falar, mas foi o momento que saiu, esta música só nasceu agora. É um bagulho libertador. Justamente por isso que ‘Casca’ está antes dela. Quando fui montar o álbum, era a única coisa que não podia mudar de jeito nenhum, porque ‘Casca’ termina com este discurso, ‘Ser o que não é um fardo e tanto, só para ser aceito por quem nem quer aceitar’. ‘Casca’ é como se fosse uma visão mais geral da coisa e ‘Eu’ vem para dentro da minha própria personalidade.”

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