sentido

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O quinto álbum de estúdio de Leonardo Gonçalves, Sentido, chega 18 anos após o lançamento do seu primeiro trabalho, em 2002. “É uma grande evolução, que se dá em primeiro lugar como ser humano. A música é consequência disso”, explica o cantor ao Apple Music. “Um álbum, então, é uma declaração e uma representação de um período que tentamos nos reavaliar e compreender o quanto ainda somos os mesmos e o quanto já mudamos.” O novo trabalho apresenta regravações de músicas importantes para Leonardo, que entende Sentido como algo mais pessoal e conversa com Avinu Malkenu, álbum de 2010, cantado em hebraico. “Era mais para mim, um projeto com menos preocupação comercial. E este de agora, embora exista expectativas de ele ser viável comercialmente, ele está mais na linha de diálogo com o projeto em hebraico.” Segundo ele, as músicas do novo álbum podem até não ser muito conhecidas, mas são importantes na sua vida e presentes em seu passado. Para o cantor, o nome do álbum, Sentido, tem três interpretações distintas: direção, significado e a derivação de sentir, com uma questão sentimental. “Se eu pudesse resumir o álbum, eu diria que é a busca por direção e a transmissão de sentimentos quando se vai lidar com o sofrimento, sob a minha perspectiva, um cantor cristão.” Assim, a dor está presente em todas as faixas, mas há também o conforto e a esperança, que segundo Leonardo, “são palavras de ordem”. A seguir, o cantor dá mais detalhes sobre cada uma das faixas de Sentido. Contre Qui, Rose “Esta música é de um compositor contemporâneo de música erudita, o Morten Lauridsen. Eu não consegui gravar com a letra – como é um coral, não ficaria tão bonito. Esta faixa pergunta às rosas o porquê dos espinhos, ‘de quem você quer se defender?’. E eu gosto muito de um prelúdio em álbuns, para fazer uma introdução para o universo do álbum. Talvez ela não seja muito comercial, mas ela faz uma preparação para o que virá.” Graças, Senhor “Ouvi esta música pela primeira vez na voz de uma grande amiga minha, a Regina Mota. A letra é quase sarcástica, porque ninguém agradece a Deus pelas dificuldades. Veio a ideia de fazer apenas a capella, com o coro entrando só depois.” Tapeceiro “As três primeiras músicas são um anúncio de enredo: a primeira é o anúncio da dor, a segunda é como lidar com ela, e a terceira é quase que já deixando a dor, quando você já está tendo outra perspectiva. Essa tríade anuncia o que vai se desdobrar. Esta faixa em particular me acompanha desde meados da década de 90, e sempre pensei que, caso eu fizesse um álbum de regravações, eu precisaria fazê-la. Eu tenho uma dificuldade também com esta música, com a letra dela, porque o jeito que eu cantei é para dar esperança, mas não é uma certeza. Não posso dizer que todos têm a mesma chance que eu, e tenho muita dificuldade de chegar para alguém que viveu uma vida de desgraças e dizer para essa pessoa que ‘tudo coopera para o bem dela’. Então, na minha interpretação, eu canto, tenho esperança.” Silvandira “Esta faixa é do Samuel Silva, meu pianista, e é uma celebração do meu relacionamento com ele e com a mãe dele, que faleceu em 2012. Ela era do interior da Bahia, preta, pobre, doméstica a vida inteira; ele nasceu e ela já era bem mais velha. No aniversário da morte dela, ele tocou esta música e publicou nas redes sociais, e achei linda. E é um tipo de dor pela qual eu nunca passei, nunca perdi ninguém próximo, e eu acho que [essa dor de] quando alguém da sua família morre, é o tipo de dor que eu queria que estivesse no álbum. Quando o álbum já estava quase pronto, falei para ele que gostaria de ter esta música. E o Samuel é de uma sensibilidade incrível, ele é um dos grandes músicos, talvez o maior, que eu já conheci. E a faixa transmite todo o carinho e amor que ele teve por sua mãe, mas passa também a esperança de que a morte não é o fim.” Deus Sabe, Deus Ouve, Deus Vê “Este é um grande clássico da minha geração, foi composta em 1984, por ocasião da morte do pai do compositor, e por isso ela está ao lado de ‘Silvandira’, porque tem essa relação. Na época, o Valdecir Lima, que é letrista e pastor, morava nos Estados Unidos, onde estudava teologia. O pai dele faleceu quando ele estava estudando o livro de Êxodo, que é baseado no texto que Deus fala para Moisés, que ele viu o sofrimento do seu povo, que ele ouviu o clamor de Israel e que ele conhece as suas dores. Então, para você ver o sofrimento de alguém, você tem que estar a certa distância; para ouvir o clamor, você tem que estar mais perto, e para você saber de fato, você tem que estar bem perto.” Paz em Suas Mãos “É o mesmo letrista, mas outro compositor, Lineu Soares, que era diretor do coral em que eu comecei a cantar, quando tinha 15 anos e me mudei para o Brasil. Entre as homenagens deste álbum, quis fazer essa também. E esta música foi muito importante para mim na adolescência, porque eu cresci na Alemanha e, quando eu voltei para o Brasil, o que não foi uma escolha minha, foi uma readaptação que não foi fácil, porque eu não falava português. Então eu me sentia muito deslocado, porque eu me comunicava a partir da linguagem, falar para mim era muito importante, e eu não tinha como me expressar. E foi nesse contexto que descobri a música como maneira de me expressar. Eu fui roubado da minha capacidade linguística, mas a encontrei na música, com esta faixa me encontrei.” Jardins das Oliveiras “Esta é a música mais estranha do álbum, porque chegamos ao ponto mais baixo e mais profundo do sofrimento humano. Com um duduk, um instrumento armênio, eu achei que precisava de uma faixa que, de alguma forma, expressasse a dor oriunda de uma morte violenta, sem sentido. E estou fazendo um mestrado sobre literatura do testemunho, sobre os sobreviventes de genocídios, pelo qual eu tive contato com a literatura dos sobreviestes do genocídio armênio, o primeiro moderno, ou seja, a morte sem sentido. Ali, eles caminhavam até literalmente morrerem. Então é uma homenagem aos mortos pelo genocídio armênio, mas também pela escravidão, pela violência policial. É um clamor e um lamento.” Salmo 51 “Esta faixa tem até um efeito tecnológico na minha voz. Essa questão de perpetrar um assassinato, de fazer mal a alguém, então quis falar sobre o genocida que pratica o mal.” É Preciso Confiar “É o caminho de saída. Chegamos ao ponto mais baixo com ‘Jardins das Oliveiras’ e ‘Salmo 51’. Agora vamos começar a sair. Em termos de letra, ‘É Preciso Confiar’ é praticamente igual a ‘Tapeceiro’. No caso, a faixa lida mais com a vida, porque existe mais a dúvida, porque a gente não entende o sofrimento quando a gente passa por ele, e, mesmo que a gente não entenda o porquê, é preciso confiar em Deus e ter fé.” 18-11-22 “Esta é uma data, mas no formato em que se arquiva um documento. É a data do meu casamento. O Samuel Silva compôs o tema musical do meu casamento, entrei sem marcha nupcial nem nada, e tem três temas de piano. No primeiro, ele descreve a aproximação; no segundo, um encontro; e no terceiro, é a resolução, chegar ao outro lado e atravessar. Quando eu ouvi a música, só depois do casamento, na lua de mel, eu analisei e consegui relacioná-la com as faixas do álbum. Eu nem pensava em incluí-la no álbum, mas, quando eu tive a ideia de colocar ‘Silvandira’, eu quis colocar ’18-11-22’ também, porque ela dá um sentido diferente para este álbum.” Both Sides Now “A música de Joni Mitchell fala de você viver dois lados, encarar o mundo de uma maneira diferente, e, por mais que ela não faça parte do universo religioso, eu fiz questão de que ela fizesse parte do álbum, porque dentro do universo da música cristã há o diálogo, que é a palavra de ordem do meu trabalho. Quem ouve este álbum, seja religioso ou não, não sente uma quebra ao ouvir esta música, porque, na minha visão, nenhuma experiência humana deixa de ser uma experiência divina. Fomos criados por Deus, então sou contra a dicotomia de música.” Estende a Mão “Já estamos praticamente no final do álbum. Ela fecha o álbum do meu tio, Williams Costa Júnior. Ele me ensinou música e é um grande maestro e orquestrador. Esta faixa faz parte da minha infância e é a minha preferida do álbum do meu tio. É a única de que eu não fiz uma releitura, eu só pedi para ele fazer o mesmo arranjo, tanto que é o único piano que não foi gravado pelo Samuel, foi pelo meu tio. Enfim, a única maneira possível de lidar com o seu sofrimento é olhar para o seu lado e aliviar a dor das pessoas por perto, estenda a mão e sinta o amor de Deus.” Oração “Esta é atribuída a Francisco de Assis. ‘Onde houver erro que eu leve a verdade/ Onde houver desespero que eu leve a esperança/ Onde houver tristeza que eu leve alegria’. Esse é o sentido da existência, aliviar o sofrimento dos que estão ao nosso redor, principalmente daqueles que não têm como se defender.” Comigo “‘Comigo’ é a minha resposta. Depois de um repertório monstruoso, eu me lancei em um desafio de fazer uma música inédita para dialogar com as outras faixas. E é também uma releitura do Salmo 23, que dialoga com ‘Salmo 51’. É uma música complexa, porque é o texto mais conhecido: ‘Senhor é o meu pastor e nada me faltará’. E o centro diz: ‘Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo’. É uma faixa engraçada, porque o Salmo diz que Deus está sempre contigo. Mesmo que você se sinta só, entra a fé: mesmo quando não sinto sua presença, sei que ele está comigo.”

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