Remix Século XXI

Remix Século XXI

“Eu e o DJ Zé Pedro somos gêmeos”, brinca Adriana Calcanhotto, ao falar do DJ, produtor e curador do álbum Remix Século XXI, um EP que revisita seis músicas do repertório da artista gaúcha. “Tudo o que eu busco nas músicas é fazer com que elas sejam sofisticadas, mas que pareçam ter levado cinco minutos para serem feitas. O Zé trabalha dessa forma também.” Ao ouvir o elogio, no vídeo de uma entrevista de Adriana ao Apple Music, Zé Pedro abre um sorriso. O ano de 2020 marca os 30 anos da carreira discográfica da cantora e compositora e, por isso, tem um caráter de comemoração – apesar de Adriana ter lançado, também, o álbum Só, com composições inéditas criadas este ano. O EP Remix Século XXI chega, como diz a artista, para encerrar as comemorações das três décadas, e foi orquestrado pelo produtor, que ganhou o título de especialista dos melhores remixes de músicas brasileiras por conta de um projeto de 2002, quando trabalhou em músicas de diferentes artistas clássicos brasileiros, de Gilberto Gil a Elis Regina, de Milton Nascimento a Dorival Caymmi. “Faço remixes respeitando as normas. Trabalho com a música brasileira mantendo as letras”, explica Zé Pedro. “A minha pista é feita de gente que dança e canta.” De Adriana Calcanhotto, para o projeto de 2002, ele criou “Jogo Linguístico”, música que reunia diferentes composições da artista. “Adriana sempre flertou com a música eletrônica”, decreta Zé Pedro. “Por ter feito aquele remix em 2002, muita gente me procura para apresentar remixes de músicas da Adriana. Um amigo meu me mandou mensagem dizendo que o George Mendez havia feito dois remixes de músicas da Adriana Calcanhotto. George, assim como eu, tem uma paixão pela música brasileira.” George Mendez, do projeto Las Bibas From Vizcaya, enviou os remixes que havia feito para “Mentiras” e “Cantada”. “Eram tão diferentes os remixes. Um tão dramático, outro tão solar. Fiquei louco por eles.” Zé Pedro, então, entrou em contato com a empresária de Adriana Calcanhotto, Andrea Franco, porque enxergava, naquele início, um álbum de remixes para a artista. “Andrea perguntou se eu não queria entrar no álbum. Disse que poderia procurar mais produtores e talvez interagir com eles, porque estou na idade de ser curador”, brinca. Assim nasceu Remix Século XXI. Ao todo, seis músicas ganharam versões ancoradas na house music (apesar de flutuarem por variações do gênero), realizadas por três produtores com Zé Pedro. Do álbum de 1992, Senhas, vieram “Mentiras”, “Esquadros” e a faixa que deu nome ao álbum. As três, mais “Cantada” (2001), foram remixadas por Vizcaya. Produtores brasileiros residentes em Londres, Eduardo Herrera (do projeto Discotek Ed) e Fernando Britto (do Tin God) assinam respectivamente os remixes de “Vambora” (1998) e “Ninguém na Rua” (2020), do álbum Só, lançado pela artista depois que os planos de ir para Coimbra, em Portugal, para voltar a atuar como professora foram alterados pela pandemia do coronavírus. Zé Pedro também é creditado nesses dois remixes. Ao Apple Music, Adriana Calcanhotto conta que só ouviu o EP depois que o álbum ficou pronto. O nome do trabalho é uma alusão à música “Remix Século XX”, uma parceria dela com o poeta Waly Salomão, presente no álbum ao vivo Público, de 2000, considerada por Zé Pedro como eletrônica, apesar de não trazer exatamente elementos eletrônicos, como conta Adriana. “Achei interessante ter essas músicas porque a intenção é fechar um ano em que se comemora 30 anos de carreira discográfica, embora tenha sido um ano muito esquisito para todo mundo. Achei legal que [o EP] juntou os sucessos do passado com “Ninguém na Rua”, que chegou ao mundo este ano [2020].” Zé Pedro faz questão de explicar que os remixes foram criados a partir das versões finais das músicas, com todos os elementos que se ouvem nos álbuns e que nenhum dos produtores tinha uma faixa só com a voz de Calcanhotto. “Como elementos foram escondidos e outros foram revelados, é um trabalho de carpintaria, apaixonado mesmo. Foi realmente mágico”, explica. Entre lembranças e histórias de bastidores das composições originais, Adriana Calcanhotto e DJ Zé Pedro apresentam Remix Século XXI. Vambora DJ Zé Pedro: “Esta música ganhou uma levada meio anos 80, me lembra muito Robyn, uma artista que eu adoro. Como Eduardo Herrera [que assina o remix] mora em Londres, ela tem uma sonoridade que não é a da gente. É outro pensamento. Ele, finalmente, conseguiu encaixar “Vambora” em uma estrutura eletrônica. Eu tinha desistido. Fiquei tão feliz que decidi colocar esta faixa para abrir o álbum. Afinal, vencemos! Vamos conseguir dançar ao som de ‘Vambora’”. Adriana Calcanhotto: “Dançar ao som das músicas é sempre o máximo. Isso é algo que temos em comum, eu e o Zé, que é o amor pela música de língua portuguesa, pela canção brasileira. O respeito que o Zé tem pela construção da canção brasileira e pelo alcance dela. Ele leva a música para um lugar que não é aquele que eu fiz originalmente. Ele leva para a pista. E tem essa introdução meio [Alfred] Hitchcock, que cria um suspense.” Mentiras Adriana Calcanhotto: “É interessante ouvir este remix porque é uma voz que ainda tinha o sotaque gaúcho. Quando ouvi pela primeira vez, lembrei completamente da gravação desta música no estúdio. Eu e Toni Costa, no outro canto, gravando os violões. Como aquilo pode virar isto? É incrível... dá essa dimensão do tempo.” DJ Zé Pedro: “Esta é uma música de abertura de pista ou de final de pista. Talvez, para um DJ mais corajoso, seja um intervalo de pista. É superdramática. Está quase para um trip-hop, com uma batida mais para trás. A letra dá espaço para isso e não quebra a música.” Ninguém na Rua DJ Zé Pedro: “Foi o Fernando Britto que me chamou a atenção para o fato de que esta música tinha um riff de voz, que seria o carro-chefe do nosso remix. Ele queria que o riff viesse, voltasse, que fosse contrastante. É um house, mas o remix vai mais para um deep house daqueles não sai da cabeça, sabe? As pessoas que estão na pista adoram entrar em transe.” Adriana Calcanhotto: “Tem uma diferença interessante nas vozes, não é? As vozes mais jovens e os sons de agora. Achei interessante perceber isso. Achei interessante ver como as outras músicas resistiram ao tempo. E então vem esta música nova. Foi interessante ouvir a voz desta maneira.” Cantada DJ Zé Pedro: “Este foi o segundo remix que George Mendez mandou e é completamente diferente de ‘Mentiras’. Este chamava para o sol, era ensolarado. É uma música que é isso, totalmente ao pé do ouvido. Maria Bethânia a gravou mais para fora, como aquelas músicas de verão da Bethânia. Aliás, Cantada é também um álbum inteiro mais íntimo, para dentro, como se fosse uma provocação da Adriana. Quando converso com as pessoas mais jovens, elas dizem que esse é o álbum preferido delas. Ver ‘Cantada’ entrando com tudo na house music é uma loucura.” Adriana Calcanhotto: “Sempre mando as músicas para Bethânia, ela recebe a cópia carbono dessas músicas. Sempre mandei e, aquelas de que ela gosta e grava, ela muda o nome. Passei a não dar nomes às músicas, porque ela daria um título melhor do que eu, que não sou boa nisso. Não dei nome à música, mas a chamava de ‘Cantada’. A Bethânia, ao gravar, chamou de ‘Depois de Ter Você’. Ela entende que o eu-lírico está dizendo 'depois de ter tido você’. Para mim, esta música é uma cantada, é uma coisa escrita em um pedaço de papel e passada para a mesa do lado. O encontro com Bethânia no show dela de 2001, marcado pelo beijo no final, com direção da Bibi Ferreira, mostra que são duas maneiras de olhar para a mesma música. São dois tempos, dois futuros. O remix trouxe, para mim, uma coisa rítmica que não sei explicar, mas que nunca teria pensado sobre ‘Cantada’ e provavelmente vou roubar para mim.” Esquadros DJ Zé Pedro: “George mandou este remix na sequência, depois dos dois primeiros (‘Mentiras’ e ‘Cantada’), quando ele percebeu que eu tinha me empolgado. Ele se sentiu seguro e, dois dias depois, enviou os remixes de ‘Esquadros’ e ‘Senhas’. E eu pensei: ‘caramba, ele está indo diretamente na espinha dorsal do top 5 das músicas da Adriana’. ‘Esquadros’ é uma música fundamental e a Adriana sempre dá um jeito de colocá-la no show, ao lado de ‘Devolva-me’”. Adriana Calcanhotto: “Para mim, esta música é um baião. Já fiz tudo com ela, em espetáculos diferentes. No começo da carreira, eu pensava que jamais teria canções obrigatórias. Mas Mick Jagger tem que sempre cantar ‘Satisfaction’ e se não fizer isso feliz, não vai resolver. É impossível não tocar ‘Esquadros’ no show, eu vejo que as pessoas saem frustradas. Esta é uma canção muito gravada por outros intérpretes. De todas as interpretações, eu roubo algo. Por isso, um remix não é tão diferente do que faz um intérprete. Ao ouvir, lembrei das gravações, lembrei das antecipadas que eu dou no violão e que conseguiram tirar desta versão.” Senhas Adriana Calcanhotto: “A versão de ‘Senhas’ tem um monte de linhas de saxofone, vai crescendo, vai enchendo e termina inesperada. Quem é essa pessoa que não gosta de nada? E, quando gosta, vem tudo aquilo. Do que ela gosta e de como ela gosta.” DJ Zé Pedro: “Esta é uma canção desaforada. Parece que, conforme os tempos foram ficando mais difíceis, as pessoas passaram a repetir isso mais ainda, de não gostar do bom gosto, de não gostar do bom senso, como diz a letra. Esta é uma versão que é mais eletrônica do que de pista. ‘Senhas’ também é uma cilada para o DJ, porque parece simples, mas não é. Se ficar acelerada demais, ela perde a coisa incisiva da letra. Eu consegui usar um pedacinho desta música em ‘Jogo Linguístico’ [de 2002]. George foi incisivo. Os remixes desta música e de ‘Vambora’ foram os meus testes para eles, porque tentei mexer com elas e nunca consegui.”

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