Naturezas

Renato Teixeira e Fagner são amigos há mais de 50 anos e, depois de tanto tempo tentando lançar um álbum juntos, Naturezas finalmente chega ao público. O Apple Music conversou com a dupla sobre o novo projeto, mas a missão de entrevistá-los não foi fácil, já que a impressão é de estar interrompendo uma conversa muito importante entre dois amigos. Eles não poupam elogios mútuos e convites para se encontrarem logo. “E aí parceiro, tu tá por onde?”, diz Fagner no instante em que Teixeira chega à conversa. “Vou te mandar um lugar lindo para você analisar. Fica em Campos do Jordão (SP). A gente pode aproveitar e ficar de férias”, propõe Teixeira em seguida.

“O Fagner e eu estamos combinando essa parceria há muitos anos e, graças aos aplicativos de mensagem, ela se viabilizou de uma maneira bastante agradável e eficiente”, conta Renato Teixeira sobre a produção do álbum. “Ele ia me mandando as melodias e eu tirava no violão. Às vezes, ele mandava só assobiando ou cantarolando e às vezes com violão ou com o piano. Eu colocava a letra. Ele também mandava para o maestro, que já fazia alguma coisa, desenvolvia algum arranjo. Desde que o projeto começou a nascer, a gente foi desenvolvendo música. Até o dia em que a gente foi atrás da gravadora para desenvolver o álbum.”

Fagner, por sua vez, elogia o amigo e enaltece a amizade de anos. “Renato, além de ser uma pessoa maravilhosa, é como um irmão. Temos uma história lá atrás, quando eu lancei o meu primeiro álbum. A gente tem uma irmandade que funciona muito bem.” Durante a conversa, o músico lembrou com bastante carinho o período em que gravaram Naturezas no estúdio Kuarup, em São Paulo. “Chegou o momento de entrarmos em estúdio, e acho que poucas vezes lembro de ter feito um álbum com um clima tão bacana, com as pessoas felizes em estar ali, desenvolvendo um trabalho inédito. Estou muito feliz e já estamos pensando no futuro, com um segundo [álbum] já a caminho.”

Ainda sobre o processo de gravação, Teixeira contou uma história inusitada sobre o local escolhido para registrar o novo álbum. “Eu morava em uma casa em Pinheiros, bairro de São Paulo, com o meu pai, minha mãe e meu irmão, no começo de tudo. E havia um porão lá embaixo, onde eu montei um estúdio, bem precário, porque era o que tinha. E o Fagner tinha acabado de fazer o primeiro álbum dele. Lembro de que fomos lá nesse estudiozinho ouvi-lo. E, quando a gente foi gravar o nosso álbum, que ficamos tantos anos tentando acertar, aonde a gente foi? Bem naquele porão da casa do meu pai que a gente morava, que a Kuarup comprou. E onde era o estúdio precário foi construído um estúdio decente, onde a gente gravou. Essas coisas ajudam muito na qualidade do ambiente e do trabalho.”

A parceria entre os dois funciona tão bem que até mesmo a escolha do título foi simples e orgânica. Renato Teixeira explicou que, durante uma conversa com Fagner, apenas falou o nome: Naturezas. O amigo concordou. “Não foi uma coisa pensada. O nome apenas pulou para fora da minha boca.”

A seguir, a dupla dá detalhes de cada uma das faixas do novo álbum. “Eu levanto e você entra de cabeça”, diz Teixeira antes de começar. “Eu só concordo”, completa Fagner.

Tocando em Frente
Renato: “Esta música fez 30 anos, e eu falei com Almir [Sater]: ‘Pô, a gente não vai fazer nada para comemorar?’ Falei para convidarmos o Fagner para tocar com a gente. E começou assim, chamando o Fagner para cantar com a gente e, como já estávamos embalados na parceira, tocamos o álbum.”
Fagner: “O álbum começou aí. Eu cheguei a botar a voz no estúdio a partir desta música, fiquei muito feliz porque é um clássico. Acho que a coisa começou a se formar fortemente aí.”

Mucuripe
Fagner: “Achei que esta fosse a última do álbum.”
Renato: “‘Mucuripe’ nunca será a última, parceiro. Acho que foi uma questão de referência, por ser uma música bastante conhecida nossa. Ficou chique, ficou bonito.”

Arte e Poesia
Renato: “Eu acho que é uma coisa da nossa geração, porque chega um momento da nossa vida em que a gente não quer mais que fiquem mandando na gente. Mesmo que a gente não precise, a gente já escreveu a nossa história. Esta música fala um pouco disso, de que precisa de pouco para ficar com tudo resolvido.”

Eu Só Quero Ser Feliz
Fagner: “Antonio Adolfo fez esta música inspirada em ‘Canteiros’. Ele foi o arranjador e maestro do álbum Manera Fru Fru. Temos uma relação super boa; o meu neto, por exemplo, estudava bateria na escola de música dele. Ele fez esta música, que terminou caindo na mão do Renato e do Fausto Nilo, e os dois fizeram a letra. Para o Renato, isso é tudo bem, mas, para o Fausto, é uma tragédia você mandar um negócio que não seja exclusivamente para ele. Não sei como eles se acertaram, mas eu sei que acabamos gravando. Eu já tinha colocado a voz nesta música uns dois ou três anos antes.”

Juro Procê
Renato: “É uma coisa meio hippie. Um jeito de viver sem muita complexidade. Viver com emoção, vida vivida à luz do tempo. Falando como letrista, eu me sinto em um momento de maturidade total, em que você começa a compreender melhor as coisas. Se você for esperto, sua vida melhora bastante. Você tem que usar, sim, a experiência, tem que saber sonhar. Nossa geração, que tem a coisa da cultura hippie, foi a última a ter a oportunidade de ser feliz no milênio. Eu acho que esta música fala um pouco disso, da minha postura diante da vida.”

Eu Comigo Mesmo
Renato: “Eu acho que as melodias do Fagner são muito expressivas, então parece que as palavras já vêm junto. Não é tão difícil identificar as palavras nas melodias que ele faz. E você vai se soltando, como é o caso desta música, em que eu fui preparando uma costura e pensei: ‘Agora estou ferrado, sou eu comigo mesmo’. Ela foi se dizendo, o que eu acho bem legal, porque você é o seu melhor companheiro. Música é um pouco isso.”
Fagner: “Demoramos para descobrir isso.”

Para o Nosso Amor Amém
Renato: “Eu estava passando por um problema com a minha mulher, que estava com um câncer de mama. Pegamos [a doença] bem no comecinho, não precisou operar. Tivemos sorte. E de repente você começa a se aproximar do dia em que você vai ter alta médica, depois de toda a tensão, o dia vai chegando. Você sabe que na semana que vem ela vai ter alta. E foi bem nesse momento que o Fagner me mandou esta melodia. Eu estava completamente envolvido naquele clima lá, e a música fala um pouquinho disso, sobre o que vai acontecer depois que a alta chegar.”
Fagner: “Nos emocionamos muito quando gravamos, foi muito bacana.”

Linda de Mansinho
Renato: “É uma música divertida, bem MPB. Eu não tinha pensado em cantar esta faixa, sempre pensei no Fagner, porque é uma brincadeirinha. Acabou ficando bem interessante, eu gostei muito.”

Rastros da Paixão
Fagner: “Esta é para homenagear Evaldo Gouveia, vizinho e amigo de serenata do meu amor. E eu nasci em uma casa na frente de onde Evaldo morava. Meus pais eram padrinhos dele. Carregamos essa amizade por muitos anos, e ele é uma referência da música brasileira de sucesso. Terminou que gerou esta homenagem. Lembro bem de Evaldo com o meu irmão, garotos, lá em Fortaleza. Há quanto tempo a gente não carrega essa história para fazer esta homenagem? Fecha um ciclo da minha relação com Evaldo.”

Aqui É Ceará
Renato: “Foi uma das primeiras músicas, eu fiz no avião. Fagner me mandou a cappella, não tinha instrumento. Pensei: ‘Aqui é Ceará’. Eu, como tenho uma ligação com todo o pessoal do Ceará, como Belchior, Amelinha…”
Fagner: “A gente homenageia o Ceará!”.