Mil Coisas Invisíveis

Mil Coisas Invisíveis

O segundo álbum solo de Tim Bernardes, Mil Coisas Invisíveis, surgiu depois de “uma longa gestação” durante a pandemia, segundo o cantor e compositor. “Eu estava tocando direto havia dez anos e, quando me vi sem uma previsão para voltar aos palcos, tive muitas reflexões. Refleti sobre música e até questões existenciais, ‘quem eu sou?’, ‘o que está acontecendo com o universo?’. Foi uma oportunidade para me debruçar sobre este projeto”, ele conta ao Apple Music. Por se tratar de músicas compostas em períodos distintos, as faixas do álbum soam ecléticas e representam o músico — que também é vocalista da banda O Terno — em diferentes momentos. “São coisas de amor, ideias, sentimentos, pensamentos”, explica. “Há também uma veia um pouco mais direcionada para o mistério da vida e a curiosidade que nós temos pelo sagrado.” Para se conectar com o lado “místico” e “curioso pelos segredos do universo” que ele deixou fluir no trabalho, o título foi pincelado da música ‘Meus 26’. “Comecei a reparar que esse elemento para além da barreira do conhecido estava bastante presente nas músicas. ‘Meus 26’ é uma viagem sobre o interno e o externo, a consciência e o cosmos, e há um verso em que eu digo ‘O mundo tem mil coisas invisíveis / Nada é só concreto assim’. Acho que casou bem.” Diferente de seu primeiro álbum solo, Recomeçar, Bernardes teve tempo o bastante para produzir e experimentar em seu segundo trabalho. “Eu me permiti ficar o ano de 2021 apenas fazendo com que ele nascesse, experimentando e testando diferentes equipamentos que eu tinha em casa”, ele diz. “Desenvolver um álbum já é um mergulho bem forte, mas fazer um trabalho solo é mais ainda. Fazer isso durante a pandemia, isolado, tornou tudo uma reflexão ainda maior e me fez pensar em todos os detalhes.” A seguir, Tim Bernardes explica as 15 faixas de Mil Coisas Invisíveis. Nascer, Viver, Morrer “Esta música é curtinha, e eu sinto que ela tem o delineado do álbum inteiro. Quando gravei, ela nem estava na lista de faixas finais. Fui testar o meu gravador de fita em oito canais e gravei nele uma vez, só a letra, por isso ela ficou bem curtinha. Quando eu a ouvi, ela me pareceu muito mais pronta do que eu imaginava, e o fato de ela ser curta me deu a noção de que poderia ser uma introdução, como um prólogo aos assuntos do álbum. Mesmo as músicas que não têm a ver com essa coisa da consciência são simples músicas de amor. Acho que, se você inaugura com um prólogo assim, você permite que a pessoa expanda a cabeça e escute para viajar na própria interpretação de cada uma das canções, mesmo em temas não relacionados. Então acho que ela é uma música sobre o ser, sobre a gente ser antes de qualquer coisa, simplesmente ser.” Fases “‘Fases’ também é dessa leva mais nova, pós-pandemia. Eu acho que tem essa coisa de a gente querer lutar com as mudanças iminentes da vida e entender que são muito maiores que nós. A pandemia foi explicitamente didática em relação a isso, a gente não tem como prever as coisas. É um fluxo com que ainda temos que lidar de acordo com o sentido da correnteza. ‘Fases’ também é um pouco essa coisa da transformação, uma vez que o misterioso inundou, chegou uma época em que os planos foram por água abaixo. Essas primeiras duas músicas são reflexões bem profundas e positivas. Não são sofrências, mas há uma mistura de ingredientes.” BB (Garupa de Moto Amarela) “Esta música está no álbum porque é leve, descompromissada. Uma canção de amor cotidiana, apaixonada, que liga essas reflexões do universo, da alma, mas de uma maneira do dia a dia, do bairro. Eu queria que o álbum pudesse ter alguma leveza, mas também profundidade. Então acho que tem uma música mais densa para cá, outra mais relax para lá. ‘BB’ é uma canção de amor leve, que também está nessa ambiência, dos climas do álbum.” Realmente Lindo “Esta música que eu compus foi gravada pela Gal Gosta para o álbum A Pele do Futuro (2018). Desde então, eu fiquei pensando se ia gravar uma versão minha ou não. Esperei por um momento em que eu fizesse uma versão especial, com esse arranjo de cordas e sopros, a coisa do vazio, da percussão da palma. O arranjo dela traz para o álbum uma coisa do tropicalismo, dos ritmos brasileiros. Isso já é diferente de Recomeçar, um álbum que tem momentos até quase folk. Este álbum dialoga mais com a MPB que era feita nos anos 60 e 70 e que eu ainda sinto muito contemporânea. É também uma música sobre a beleza da vida, sobre a existência, sobre se lançar, se sentir maduro para se arriscar, se lançar na vida de uma maneira amorosa.” Meus 26 “É uma viagem mais cósmica. Começa com as reflexões e o sentimento de esgotamento que a cidade de São Paulo provoca, e reparando o que os outros lugares representam, como se fossem um sonho para a gente. O que o universo representa, o espelho do universo. Reparar que existe um mistério da gente para dentro também. É a mistura dessa coisa mais cósmica com essa coisa quase psicanalítica, de anos e anos de terapia. Tem um tipo de arranjo de ficção científica, arranjos de cordas muito agudos, usados por Jorge Ben numa época e que eu acho uma coisa muito contemporânea também. Essa música se relaciona com vários lados. A palavra que me vem é: expandidas. Escalas expandidas, tessituras, alcance de cordas expandidas. Pensamentos se expandindo. Me vem à cabeça aquela cena final de 2001 - Uma Odisseia no Espaço, do Stanley Kubrick, em que o cara está naquela nave e está rolando uma transmutação maluca.” Falta “‘Falta’ é muito diferente da maioria das músicas que eu compus. A sonoridade das palavras foi apresentando o sentido. Uma palavra pedia a palavra seguinte. E foi muito interessante, porque você poderia fazer esse jogo de palavras e a frase que resulta não ter sentido nenhum. Curiosamente, esta música foi uma coisa do fundo do meu inconsciente e que no acaso foi jogado. A coisa foi se apresentando, com uma palavra encostando fisicamente na outra.” Velha Amiga “É uma baladona de amor nostálgica de violão e voz, não tem nenhum outro instrumento. Eu queria que estivesse no álbum essa coisa do cantor compositor: às vezes tem arranjo, mas é realmente uma música crua, como ela veio ao mundo. É uma canção de amor, uma nostalgia e uma gratidão às coisas vividas.” Olha “‘Olha’ é uma canção de amor mais sofrida, mais dramática. Foi gravada no piano do antigo estúdio Eldorado, que hoje em dia fica na rádio Eldorado [em São Paulo]. Eu sempre xavecava o pessoal para poder gravar alguma coisa. Nesse piano foram gravados ‘Balada dos Loucos’, dos Mutantes, muitos álbuns da Rita Lee, do Caetano. É um estúdio dos anos 70, então também tem uma mística da gravação desta música. Eu gravei de madrugada na rádio, eles deixaram a gente entrar, a gente gravou piano e voz lá. Depois voltamos ao estúdio, adicionamos bateria e baixo, e eu fiz um arranjo para cordas e sopros. Felipe Pacheco tocou cordas, e Douglas Antunes, sopros.” Esse Ar “É uma música muito diferente de outras que já fiz, mais poética, uma das minhas favoritas do álbum. Meu pai – eu sou filho do compositor Maurício Pereira – fala: ‘Em que o poema mais lírico se mostre a coisa mais lógica’. E essa frase me veio à cabeça em relação a essa música. Eu estava tentando falar de uma coisa muito sutil, que é uma sensação que eu tenho com o silêncio do ar, da lua cheia, às vezes de noite, na solidão. Na pandemia, a lua batia bem na minha janela, e me dá até um arrepio esse negócio, de virar e ter alguém te olhando, um gigante ali. Eu sentia que, para falar objetivamente desse assunto, eu tinha que ser muito mais lírico e poético do que normalmente eu sou. Ela é mais misteriosa, é sobre descrever uma presença, um ar vivo. E, musicalmente, vai desde um sintetizador até um climão meio bossa nova. Estou curioso pra ver o que as pessoas vão achar dela.” Última Vez “‘Última Vez’ é o quarto e o último single antes do lançamento do álbum. Também é uma música de cantor e compositor. Ela tem uma letra longa, são seis minutos contando uma história do encontro de um casal. Essa sensação de que [o relacionamento] já acabou e encontrando [a outra pessoa] de novo, de intimidade que não se sabe bem se ainda é íntimo ou não. Fazia tempo que eu queria compor uma música assim, que retratasse uma cena que vai se desenvolvendo na sua frente e que tem uma sutileza dos símbolos. Esse tipo de situação tem uma carga muito forte, a pessoa tem medo de voltar a encontrar alguém que já foi uma parte grande da vida. É uma canção de amor dessa forma, eu quis manter o intimismo, uma canção baladona, violão e voz também, como é a ‘Velha Amiga’. Mas até por ela ser longa, está ornada por arranjos de cordas e sopros minimalistas, que entram e logo saem, vão e voltam, assim como o cinema que vai e volta e dá a trilha desse encontro que está em movimento.” Mistificar “É uma música mais orquestrada, de contraste. Eu quis fazer esses arranjos de corda sem segurar a mão mesmo, mais expansivo e exuberante, mas, em contrapartida, com um refrão minimalista. Violão e voz e tudo. E é uma música que fala sobre estar desprevenido para as coisas que vêm do nada. Lembrar que esses assuntos têm a ver com mil coisas invisíveis, que as coisas não são simplesmente a análise concreta que a gente pode ter mentalmente; não é só racional. Tem muito mistério que colore as nossas experiências. Por que você se apaixona por uma pessoa e não se apaixona por outra? Por que se acredita ou não nisso ou naquilo? Por que você gosta de futebol? É um pouco sobre ‘boiar’ nessas coisas invisíveis, que demandam mais do que a gente imagina.” A Balada de Tim Bernardes “Essa música é uma tiração de sarro, mais pessoal. Por meio dessa brincadeira, por ser uma balada mais biográfica, também me permite falar de coisas mais profundas, meio sérias. Uma ‘abrida’ de coração com bom humor. Ela é de uma leva de músicas que eu compus quando eu estava quase em um fluxo, me permitindo fazer letras longas. Ela tem um refrão que repete, mas vai indo. A letra se repete por uns seis ou sete minutos, refletindo, pensando, imaginando assim. Depois eu reparei que a música começa comigo falando que acordei de um sonho lindo com a minha avó, que eu perdi quando tinha 16 anos. Essa sensação de você encontrar alguém no sonho é uma coisa forte.” Beleza Eterna “Também é mais uma dessas músicas que é um fluxo, mais comprida, refletindo, e começa a ser quase um desabafo. Ela talvez seja a música mais angustiada do álbum, mas ao mesmo tempo é das mais otimistas, então ela puxa para um lado, puxa para o outro. Eu sinto que a gente é assim, mais paradoxal, e sente tudo ao mesmo tempo, superposto, sobreposto. Então tem as ansiedades, os medos, mas também os espantos com as coisas bonitas. Ela é mais uma dessas músicas que dá a sensação de que este álbum é meio que um livro.” Leve “É uma música que vai acalmando o coração para chegar a um fim de álbum mais de aceitação, de beleza. Porque você passou por alguns momentos mais frenéticos, angustiados. ‘Leve’ é uma música sobre essa sensação de paz. É uma faixa simples, de refrão simples, boa de cantar. Música de piano, mas diferente das músicas de piano de Recomeçar, uma música mais rítmica, mais brasileira, com arranjo. É o tipo de onda que eu nunca tinha feito. É uma música relax.” Mesmo Se Você Não Vê “Se ‘Nascer, Viver, Morrer’ é o prólogo, este é o epílogo. É aquele adendo final que também tem a característica de resumir os assuntos do álbum em uma música só, mas de outro jeito. Também é uma música curta, gravada na fita, então a primeira e a última faixa têm esse elo. Essa música me remete a Dorival Caymmi, que fala pouco, mas fala meio tudo de alguma forma. E se relaciona com a ideia de que ‘o céu continua estrelado mesmo se você não vê’. Essa lembrança de que as coisas continuam existindo é reconfortante: agora na praia está batendo onda, indo e voltando, tem um monte de estrela no céu, mesmo ao meio-dia, elas estão lá. Existem coisas mais duradouras que a nossa vida ou os nossos pensamentos.”

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