Líricas (Ao Vivo)

Líricas (Ao Vivo)

Para celebrar os 15 anos do seu lançamento, as faixas do DVD "Líricas - Ao Vivo" (2005), de Zeca Baleiro, finalmente estão sendo lançadas digitalmente. Gravado em São Paulo, em julho de 2002, o trabalho é um registro intimista, trazendo Zeca acompanhado apenas por Tuco Marcondes (violões, dobro, gaita, baixo e vocais), Rogério Delayon (violão, bandolim, gaita, baixo e vocais) e Lui Coimbra (cello, charango, baixo e vocais), em um palco que tinha clima de encontro entre amigos, com uma vibe quase gótica, repleto de castiçais, muita tapeçaria, e os músicos usando roupas bufantes, que remetiam aos poetas do século 19. Centrado no álbum "Líricas" (2000), onde o cantor e compositor explorava uma sonoridade mais acústica, influenciada pelo folk, o show também trouxe novas roupagens para músicas dos álbuns "Por Onde Andará Stephen Fry?" (1997) e "Vô Imbolá" (1999), além de releituras e citações de canções como: “Filosofia” (Noel Rosa), “Proibida Pra Mim” (Charlie Brown Jr.), “One More Cup Of Coffee” (Bob Dylan), "Vapor Barato" (Jards Macalé e Waly Salomão), "Tem Que Acontecer" (Sérgio Sampaio), e “TV a Cabo” (Otto). “Tem uma história curiosa desse álbum ["Líricas"] que eu gosto de contar. Os anos 90 foram aquela coisa, aquela redescoberta do Brasil, dos ritmos brasileiros, o manguebeat, um monte de coisa acontecendo. E, no terceiro álbum, eu estava um pouco cansado do barulho, da doideira, daquela coisa rítmica: 'vou fazer um álbum de canção que é algo que eu adoro; é um dos tipos de música que mais gosto de ouvir, música folk, canção e letra, e tal, vou fazer um álbum de folk brasileiro. E aí a gravadora na época, a MZA, foi supercontra. Hoje a gente conta e se diverte e tal: ‘Cara, vai ser um tiro no pé, o povo quer ouvir os ritmos do Nordeste, do Maranhão’. E eu falei: ‘Cara, já fiz dois álbuns com esse recado, com esse material, eu quero uma outra coisa’”, conta Zeca Baleiro ao Apple Music. “Líricas” acabou se tornando um clássico da discografia de Zeca, um sucesso comercial, com mais de 160 mil cópias vendidas, e rendeu uma extensa turnê pelo Brasil, com mais de 80 shows em dois anos, e passagens por países como Portugal e Espanha. “Era um show incomum para aquele tempo, por isso que é mais surpreendente ainda. Rodou muito, pelo interior do Brasil, acho que a gente fez todas as capitais, foi bem bacana”, relembra o músico. “Tinha uma particularidade, a turnê desse álbum já tinha acabado, eu já estava no outro álbum, que era o ‘Pet Shop Mundo Cão’ (2002), que era um álbum mais eletrônico, com umas experiências mais para o lado do eletrônico, e a gente teve que retomar o show, ensaiar, mas estava fresco, né? E aí rolou. Foi ensaiado especialmente para a gravação do DVD.” Ao ouvir o álbum novamente, Zeca Baleiro sente orgulho em saber que tanta gente o ouviu e ainda o admira. “Hoje, acho mais raro, é mais difícil aquele tipo de trabalho, aquele tipo de proposta, algum artista hoje emplacar uma coisa daquele tamanho”, celebra o músico. “Agora a sensação é boa de ter realizado um trabalho bacana, permanente, que ficou, tem muita gente que me para por aí, ou nas redes sociais, e fala que é o melhor álbum. Eu não sei dizer qual é o melhor álbum, é igual filho, né? É bom ter isso lá [no streaming], vira um documento, a discografia toda.” Abaixo, Zeca Baleiro fala um pouco sobre a composição e os arranjos das canções que compõem “Líricas - Ao Vivo”: Filosofia “Quando a gente estava preparando o roteiro do show, eu falei: ‘Quero uma abertura impactante, quero uma coisa que não seja do universo do rock, do folk, mas que possa se adaptar a este formato’. E ‘Filosofia’, do Noel [Rosa], é uma música que sempre gostei de cantar desde os primórdios, quando aprendi os primeiros acordes, adorava cantar, e pintou aquela ideia no estúdio. Ainda tem uma citação de Arthur Rimbaud lá no final [risos]. Um poema do Rimbaud. É um abre-alas, não está no álbum, só está no show, né? Mas eu queria, para introduzir o assunto do álbum, queria abrir com uma coisa que fosse um clássico tradicional brasileiro numa roupagem diferente. Assim que surgiu a ideia de ‘Filosofia’.” Minha Casa “Aí a gente meio que segue a sequência original do álbum [“Líricas”, de 2000]. Nem é uma coisa que eu gosto muito de fazer, às vezes gosto de desvirtuar, mas nesse show achei: ‘Pô, legal que as pessoas reconheçam de cara o roteiro do álbum’. Esta música foi a que deu o start para eu fazer o álbum, eu a compus, sei lá, em 1995, antes até de gravar o meu primeiro álbum. Uma época em que produzi muito, porque não me restava nada além de compor [risos]. Ela remete tanto àquele imaginário, como direi, da estrada, daquela coisa mítica da estrada que é da música folk, com aquele formato harmônico e melódico. Claro que a gente nunca vai fazer um folk igual ao Johnny Cash e tal, porque a gente é brasileiro, é uma outra leitura, um outro entendimento, mas ela era a música mais próxima daquilo, foi a que moveu. Queria fazer um álbum todo nessa pegada, mas claro que no decorrer do processo acabou se desvirtuando. Ela tem cordas, é uma coisa assim mais épica.” Comigo “Aí vai seguindo a ordem mesmo, ‘Comigo’ é a faixa 2 [do “Líricas”], e originalmente era um reggae, para tocar em FM e tal. Mas, quando eu estava gravando-a, tocando lá no estúdio, não fui com o repertório completamente formatado, e resolvi tocá-la de um outro modo, isso também acontece, né? E descobri também essa alma meio folk dela e resolvi incluir. Ela é doce, o álbum estava com um tom um pouco ácido, então quis botar também para equilibrar, uma canção mais doce, mais romântica.” Bandeira “Aí chega aquela hora de temperar um pouquinho, né? Para quem ainda não conhece o álbum novo, você dá aquela temperada com uma música mais antiga. ‘Bandeira’ é a segunda música do meu primeiro álbum, 'Por Onde Andará Stephen Fry?' (1997), tem um arranjo de violão e acordeão, comigo, Celso Fonseca e Osvaldinho. Ela podia ser uma música do ‘Líricas’, porque tem este formato de canção, de canções com dedilhado folk, de violões e tal, se encaixa perfeitamente. Eu fui pegando também as músicas dos álbuns anteriores, que eu achava que se encaixavam neste formato, para compor um repertório ali.” Banguela “‘Banguela’ também foi uma música composta para ser uma coisa mais rock, mais pesada, e eu acabei experimentando com ela neste álbum, e ficou demais! No álbum [“Líricas”], ela tem vocais, participação especial da Ná Ozzetti e é uma música de que eu gosto muito. Tem uma coisa meio, não sei, às vezes o pessoal que gravava comigo falava que ela tinha uma coisa meio cubana, uma coisa que meio que remetia ao maracatu cearense, tipo Pavão Misterioso, essas coisas, mas isso daí é a percepção dos outros. Eu, quando fiz, nem sei o que pensei. Pensei mais na cultura do repente, sabe, que os assuntos vão se encadeando e tal, fazia: ‘Vida não é novela. Qual é a graça desgraça. Que há no riso do banguela?’. Aqueles assuntos encadeados, uma palavra puxa a outra.” Meu Amor, Meu Bem, Me Ame “Essa aí foi meio que, como é que fala, uma forçada de barra [risos]. Falei assim: ‘Quero também botar músicas de um outro contexto no show, para fazer um mosaico assim’. Tem gente que vai assistir a este show, vai ser a primeira coisa a que vai assistir da minha música, vai ser o primeiro contato que vai ter com a minha música. Então, para essas pessoas, quero mostrar um pouquinho… Incluí essa música e foi um acerto, porque a música hoje é mais tocada pelo pessoal da noite com este arranjo, que é um arranjo mais acústico. O arranjo do álbum [“Vô Imbolá”, de 1999] tinha uma coisa meio… eu brincava um pouquinho com alguns clichês da vanguarda paulistana, tinha uma coisa meio world music também, uns vocais meio etéreos assim e tal, quase new age. E a tirei desse contexto e a levei para o contexto dos violões; funcionou superbem. Mas foi aquela coisa, vamos ver no que dá, e deu. Revelou um lado mais lírico da música, mais poético e tal.” Babylon “É uma música que toco até hoje, nem todas eu toco mais, mas essa daí é obrigatória, as pessoas adoram. Essa música tem uma história muito curiosa. Eu a compus em 1990, quando ainda morava no Maranhão; em 1991 eu vim para São Paulo. Nessa época, o reggae deixou de ser uma coisa da periferia para ser uma coisa consumida pela classe média. Eu já ouvia reggae, porque tinha amigos das quebradas que já ouviam. A gente tinha muita curiosidade por tudo, então a gente não ouvia só Bob Marley, The Wailers, Peter Tosh, a gente ouvia Burning Spear, Pablo Moses, uns caras que eram lado B fora dali. Mas, quando o reggae chegou, todo mundo, até os compositores mais caretas, começaram a fazer aquele discurso. Parecia que os caras tinham se convertido ao rastafarianismo naquele momento. Então começaram a usar todos os clichês. Eu percebi, e foi para eles que fiz esta música. Porque em vez do ‘no babylon’, fora babilônia, vamos destruir a babilônia, era ‘eu quero ir para a babilônia, eu quero ser abraçado pela babilônia, eu quero abraçar a babilônia', então era um antidiscurso reggae. E, por incrível que pareça, as pessoas cantam hoje a plenos pulmões como se fosse uma música, sei lá, uma ode à felicidade, minha religião é o prazer, todas essas coisas que estão lá na letra. Mas tinha uma coisa de ironia, tinha uma visão irônica. E ela era um reggae, e eu falei: ‘Não vou colocar um reggae num álbum de violões’. Então eu descolei aquela levada no estúdio, experimentando, pintou aquela coisa que remete um pouco à música cabo-verdiana, né? Remete um pouco a uns ritmos nativos lá do Maranhão, o lelê, umas coisas assim, e aí ficou. Depois ela teve mais uns 200 arranjos, mas o arranjo original é esse daí.” Quase Nada/ Citação: Sangue Latino (Ao Vivo) “Essa música entrou nos 45 do segundo o tempo. O álbum [“Líricas”] estava ficando tenso, e assim, numa conversa lá, alguém me deu um toque: ‘Poxa, está faltando uma musica para tocar em FM, uma coisa assim’, e no final várias tocaram. Mas você também fica com um pouco de medo do álbum flopar. Faltava resolver umas duas faixas e recebi uma letra da Alice Ruiz, que era bem diferente, dei uma mexidinha ainda e tal, mas já tinha as palavras-chave, as palavras de ordem do refrão, já estava tudo ali. E aí comecei a compor para ser a música do álbum que pudesse tocar no rádio. É a única música no álbum que tem bateria, tem uma formação mais pop, baixo, bateria, guitarra e teclado. E também gravei assim, sem saber muito no que ia dar, e ela acabou se tornando um dos meus maiores hits. Até hoje canto ela por aí. Nos vocais, tem uma mistura curiosa, que é o Vander Lee, né? O finado cantor Vander Lee. Arícia Mess, cantora do Rio que enveredou para uma coisa mais eletrônica, mas naquela época a gente era muito próximo. Suely Mesquita, outra cantora do Rio, e Marcos Sacramento, que é um cantor do Rio que também acabou seguindo mais para o samba. Então é uma mistura, eles nunca tinham cantado juntos, consegui juntá-los e deu supercerto, os vocais são bem marcantes. A levada nem lembra tanto ‘Sangue Latino’, tem mais a ver com ‘Amor’, aquele rock folk do Secos & Molhados, mas no arranjo vocal a gente fez algumas coisas que remetiam aos vocais que os Secos & Molhados faziam, aí acabou levando à citação da letra.” Blues do Elevador “Essa música tem uma história curiosa: eu tinha feito um blues meio melódico, com alguma harmonia e tal. Quando chegamos no estúdio para gravar, ela estava ficando banal, eu queria uma coisa especial, achava a letra especial, falando de um momento de solidão, de introspecção muito forte. Veio o Tuco [Marcondes], músico que de certa maneira co-produziu as músicas, sacou um dobro, que é aquele violão de blues, e falou assim: ‘Zeca, vou fazer um negócio mais roots, mais raiz’. E a sugestão dele foi um golaço, a gente gravou assim com umas tapadeiras e fizemos uns cinco takes até chegar àquele, tiramos aquela coisa de harmonia de blues brasileiro, que eu estava fazendo, e fomos para um caminho mais de blues raiz mesmo, de poucos acordes, quase minimalista, e ficou superinteressante.” Stephen Fry “Se você me perguntar, nem sei porque incluí esta música, acho que as pessoas pediam, porque ela tinha uma coisa de canção folk, e era uma hora que os músicos saíam e eu ficava sozinho, e acabei gravando para que ela tivesse uma sobrevida, mas podia não ter também. [O repertório] tinha o esqueleto, a espinha dorsal, que eu não mudava nunca, essas cinco primeiras, por exemplo, mas lá no meio eu sempre modificava. É muito subjetiva essa coisa de escolher repertório, né? Porque você tem que contemplar o álbum, tem que vender 'a ideia do álbum', 'o conteúdo do álbum', mas acho que você tem que também contemplar um pouquinho o passado, sua história. Nos shows eu sempre gosto de dar uma palinha do que virá, para as pessoas já criarem uma expectativa, as pessoas sacarem o que você está fazendo. Então o começo e o fim eram meio fixos, mas no meio eu sempre mudava alguma coisa, ia a alguma cidade que tinha um artista que admiro muito e o homenageava, tinha um pouco disso.” Soneto Erótico “Com essa eu quis botar uma pimenta, porque, desde o começo da minha carreira, eu divulgo um projeto, meio que de bravata, de brincadeira, e meio que de verdade, para o qual eu já tenho muita música composta, que é um projeto de canções eróticas, um álbum de canções eróticas. As pessoas me cobram, ‘quando é que você vai fazer?’. [O projeto] é basicamente pesquisar na literatura erótica universal poemas que tenham uma métrica ali, que caibam em música, então tem coisas do Glauco Mattoso, que eu já musiquei, tem coisas do Aretino, que é um poeta italiano que se dedicou bastante a esse tipo de literatura. E este poema aqui eu achei numa coletânea de traduções do José Paulo Paes, poeta paulista já falecido. Ele fez uma antologia da poesia erótica, e este é um poema de um francês chamado François de Malherbe, que é demais. Ele fala sobre a iniciação sexual, qual era o tempo que ele tinha passado sem provar daquele prazer e tal, e é muito lindo. E eu fiz um tango, era para esse projeto, que eu acabei nunca fazendo, esse projeto que está pendurado, uma hora eu vou fazer. Ele é assim, erótico/pornográfico, tem uma parte do álbum que é meio barra-pesada, mais erótica. Tem uma palavra que não estou lembrando, mas tem uma coisa meio de piada. E eu falei: ‘Galera tem uma música aqui, vamos revisitar’. E eles falaram: ‘Este álbum está falando de amor, de esperança, de um monte de coisa bacana, e você vai cantar isso daí? Não tem nada a ver’. Daí eu propus: ‘Vamos experimentar?’. Aí deu supercerto, o arranjo ficou bem legal, todo mundo se amarrou, e eu cantei. Falei: ‘Vamos fazer o seguinte, eu canto lá no show, se for mal recebida, se torcerem o nariz e tal, a gente aborta’. Bicho, foi um sucesso, as pessoas urravam, principalmente as pessoas mais velhas, acho que velho gosta mais de sacanagem do que jovem [risos]. E aí ficou também.” Skap (Menos Sozinho) “Esta música é do meu primeiro álbum [“Por Onde Andará Stephen Fry?”, de 1997]. Ela já estava na minha primeira demo, e eu me arrependo um pouco do nome, por isso neste álbum eu resolvi reparar e incluí um subtítulo, porque é aquela coisa que você às vezes faz na empolgação. Ela é um ska, e aí fiz essa gracinha com skap, que, na época, eu achei legal, mas hoje acho besta, mas fiz. Cada um fala de um jeito, um monte de nome, porque ela é confusa, mas era uma brincadeira com o ritmo da música. Quando fui gravar o meu primeiro álbum, em que ela tem o arranjo do Tuco, ele propôs: ‘Zeca, vamos transformá-la numa canção’. Eu disse: ‘Experimenta aí’. Ele fez um arranjo lindo no qual tocou violão, piano, e a música ficou assim. Mas na origem – na demo, que um dia quero lançar em vinil – ela está como um ska mesmo, bem quente, bem rápida. E ela tinha essa coisa de canção que as pessoas gostavam muito. Eu não tinha cantado nos shows anteriores e resolvi incluí-la.” One More Cup Of Coffee / Flor da Pele / Vapor Barato “Sabe que às vezes a gente tem mais facilidade de liberar coisas gringas do que brasileiras? No caso, aqui, não sei te dizer, mas tempos depois, em 2010, fiz um show chamado Concerto, que também era com dois violões, em que eu gravei de tudo, desde Assis Valente e Walter Franco até Foo Fighters. A música do Foo Fighters que eu gravei [“Best of You”], eles cobraram 90 reais, porque eles têm uma política de 'quanto mais gravar melhor', e alguns compositores brasileiros custaram, 500, 600, 700 reais. Então, às vezes, essa coisa meio que surpreende. Desde a origem, desde a composição, ela [‘Flor da Pele’] já tinha uma citação de ‘Vapor Barato’, e rola até uma confusão de gente mais desinformada que acha que ‘Vapor Barato’ é minha, mas eu faço questão de desfazer. A bem da verdade é que não tem uma versão do [Jards] Macalé em que ele se aproprie, ele sempre a grava desconstruindo, é lindo, eu acho lindo, mas o público que ouve O Rappa, ou que ouve a minha gravação, que é mais radiofônica, não associa, né? Apesar de que, agora, o Macalé está numa onda boa até, com gente mais jovem conhecendo, mas há 10 anos era diferente. Tem um episódio curioso: a gente se encontrou num pós-show, numa pizzaria da Pompeia [bairro de São Paulo], e eu contei para ele que uma vez veio o relatório do Ecad e tinha lá assim, ‘Vapor Barato’, 50 reais, na minha conta. Eu recebi por ‘Vapor Barato’. Eu notifiquei lá, pedi para minha produção notificar, ‘olha, essa música não é minha, é do Jards Macalé e do Waly Salomão’. Mas a grana já estava na minha conta. Aí, encontrei ele lá, e disse: ‘Macalé, preciso te contar uma história, velho. Ganhei 50 pilas por causa de ‘Vapor Barato’’. Ele falou: ‘Tudo bem, só paga a pizza que estamos quites, paga uma pizza para mim que estamos quites’. Eu paguei, claro [risos]. Já tinha feito ela com ‘Vapor Barato’ e tem muitas músicas feitas com aquele clichê harmônico ali, que é esse clichê cigano, e ‘One More Cup Of Coffee’, do Bob Dylan, é uma delas. Acho lindo, é daquele álbum ‘Desire’ (1976), que, para mim, é um dos melhores álbuns. Aí resolvi fazer um medley, para acrescentar mais uma camada, para não repetir o arranjo que eu já tinha feito. Aí botei Dylan, Macalé e a minha música.” TV a Cabo “Até hoje encontro o Otto e ele fala: ‘Véio, você foi o único cara da MPB que me deu moral, maior gratidão’. Na época, o fenômeno da TV a cabo estava começando, né? Eu lembro que ouvi o álbum dele [“Samba Pra Burro”, de 1998] e gostei muito. A gente se encontrou… Acho que a Folha de S. Paulo fez uma matéria na época nos entrevistando, como dois representantes daquela geração que surgia, com diferenças, mas com similaridades, e eu lembro que falei para ele: ‘Adoro aquele teu álbum, cara, vou acabar cantando uma música dele’. E ele não botou muita fé. Ela me lembra um pouco umas coisas feitas muito no Brasil nos anos 70, que tinha alguns representantes como Paulo Diniz e Luis Vagner, que era uma música que flertava com ritmos negros, reggae, funk, soul, mas que tinha uma coisa extremamente brasileira. E desde que ouvi eu tive vontade de fazer uma releitura.” Dodói “Esta também nem me pergunte, pois eu não vou lembrar porque ela entrou. É um reggae... Acho que atendendo a pedidos, tinha uma coisa assim. Num primeiro show você não toca, mas lá na frente, no meio da turnê, você acaba incluindo, testando umas músicas que ficam interessantes, o povo compra, canta junto, e isso acaba trazendo alguma graça para a música. Acho que, por isso a gente incluiu ela. Acho que foi um caso, tipo assim, 'ela não foi devidamente compreendida, aproveitada, vamos dar mais uma chance para ela'." Apple Music: Por que você acha que ela não foi compreendida? Zeca: “Acho que o arranjo do álbum não é bom [risos]. É equivocado.” Proibida Pra Mim “Eu sempre tive um fascínio por músicas de rádio, que eu acho que tem… Hoje é até delicado falar em música de rádio, porque a música que toca no rádio nem sempre é música de rádio, mas tem um rádio imaginário, na nossa cabeça, um rádio mítico e tal, onde você tem uma música bem construída, no sentido de ser uma canção de sucesso radiofônico. Quando eu ouvi ‘Proibida Pra Mim’, eu achei um rock bacana, divertido, mas eu sempre achei que, por trás, se tirasse aqueles excessos, ia virar uma canção lírica, doce e tal. E foi o que eu fiz, simplifiquei ela ao máximo. Na primeira tentativa, ela ainda tinha uma pegada mais forte, uns violões mais nervosos e tal, e eu fui tirando, fui tirando, e ficou essa delicadeza aí. O próprio Chorão amava, dizia que a mulher dele gostava mais da minha versão do que da dele. E acabou me levando a cantar no casamento dele, nunca cantei no casamento de ninguém, mas ele me convidou e eu fui lá cantar essa música. Gostava muito dele, sempre gostei, acho que ele tinha aquele feeling de compositor popular e tal, sabia fazer as coisas. Quando gravei isso, teve um episódio em Londrina, no Paraná, em que eu fui tocar, e um garoto… que já vinha me acompanhando, um moleque assim, novo, vinha acompanhando meu trabalho e quando eu cheguei, ele se decepcionou comigo e foi no camarim falar: ‘Olha, estou decepcionado, você gravou aquela música, para mim você se vendeu’. Eu falei: ‘Cara, não [risos]. Não vou ganhar milhões de dólares por isso, até porque, se a música executar muito, quem vai ganhar são os autores. Isso daí é uma busca estética, uma tentativa, um procedimento que está ali na bossa nova, no tropicalismo, de você reinterpretar, rearranjar músicas’. Ele virou as costas para mim. Cinco anos depois, voltei lá e ele tinha crescido, me abraçou e falou: ‘Agora te entendo’. Falei: ‘Tá bom’. E tem essa coisa, isso é preconceito com certos tipos de música, com o próprio Chorão, que era polêmico, e as pessoas não entendiam muito bem. No final, ele estava fazendo umas coisas parecidas com bossa, aquela ‘Céu Azul’, que eu também já toquei em show, parecia uma bossa. Encontrei com ele, ele participou de um álbum meu, um ano antes da morte dele, e ele falou que estava passando a ouvir musica brasileira: Jorge Ben, Gilberto Gil, bossa nova e tal, então isso já estava meio que contaminando ele. Era um baita artista, superintuitivo, mas fazia umas coisas tipo isso aí que você falou, de hitmaker mesmo.” Tem Que Acontecer / Citação: Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua “Eu a gravei [“Tem Que Acontecer”] para um tributo chamado ‘Balaio do Sampaio’ (1998), acabei gravando-a para o álbum anterior, porque gostei muito do resultado. Ficou uma coisa assim meio flamenca, e acabei gravando no ‘Vô Imbolá’ (1999). E como era uma música basicamente de violões, falei: ‘Cara, vou incluí-la aqui também, porque eu até tive um fascínio muito grande pela obra do Sampaio’. Então era mais uma forma de lançar luz sobre o trabalho dele, né? Por isso ela entrou no show. Aí tem uma citação do Sampaio dentro do Sampaio, porque tem uma consciência melódica ali, harmônica – a harmonia que gira ali, é mesma harmonia do ‘Bloco na Rua’– por isso que eu fiz, para legitimar. Tem muita gente que acha que a música é minha, mas ela é do Sampaio.” Você Só Pensa em Grana “Ela também é uma música diferente no álbum [“Líricas”], apesar de ter a ver com o todo. Ela é uma música de piano e com uma estrutura de modinha, de música antiga, de valsa, uma estrutura assim, só que moderna, falando de grana, de carro novo, de assuntos contemporâneos. E ela acabou pegando as pessoas, que adoravam. Essa eu não incluí desde o começo, isso eu me lembro bem, eu tentei fazer de violões, mas achei que ficou banal, porque tinha perdido a graça, a característica específica que ela tinha de ser uma música de piano. Aí, um dia lá, em algum momento, falei: ‘Vou voltar do bis fazendo essa música a capella’. Fiz e foi uma comoção. Aí falei: ‘Agora sim, acertei. Ficou e acabei gravando no DVD.” Lenha / Citação: Amor, Meu Grande Amor “Olha aí, tá vendo, mais uma [citação] [risos]. ‘Lenha’ é meio óbvia, era uma música do álbum anterior [“Vô Imbolá”, de 1999], e era o grande sucesso daquele álbum, que tocou em rádios durante um tempo e tal. É claramente uma música de inspiração folk, tem uns acordezinhos ali que todo garoto iniciante toca. Eu achei bacana, não só incluir, mas encerrar o show com ela, tinha uma coisa da iluminação que era muito bacana, que as pessoas iam à loucura. O nosso iluminador, o Geraldo Magela, que trabalhava com o Skank, lá de Belo Horizonte, criou uma coisa muito legal. O cenário tinha umas cortinas meio 'teatro antigo', umas cortinas vermelhas e tal, e ele conseguiu dar um efeito, com o movimento, com os ventiladores, que parecia que o cenário estava pegando fogo. Então, em dado momento, quando a música esquentava lá no fim, ficava no refrão, ‘mas se eu digo venha, você traz a lenha’, ele fazia este efeito que imitava uma fogueira, e o público ia ao delírio. Era uma coisa super simples, mas que dava um efeito muito bonito, sabe? Aí virava apoteose, virou a apoteose do show. A citação veio pela sequência harmônica, a coisa da harmonia que conduz, você está tocando ali e parece que é outra música. Eu sou fã da Angela Ro Ro também, então, sempre que eu tenho a oportunidade, eu homenageio artistas que eu admiro, e estou supondo que o público talvez não conheça tanto… De lá para cá, a Ângela também viveu uma renascença, ela está mais pop. Naquela época, ela estava num certo obscurantismo.” Heavy Metal do Senhor “Aí tinha que acabar de uma forma um pouco mais acesa, mais quente e tal, e ‘Heavy Metal’ é uma música que tem uma coisa curiosa. Deve ser a música minha que mais tem arranjo. Já fiz ela em formato de rock nordestino, já fiz ela, sei lá, eletrônico industrial dos anos 90, tipo Prodigy, coisas assim. Já fiz ela de todas as formas e ela funciona bem em todas. Aqui a gente fez um ‘folkzão’ escancarado, né. Uma coisa assim folk rock, e tinha um final performático, a gente levantava, fazia umas graças, era meio, como é que fala, ironizando, brincando com a postura metaleira, né? Que com o tempo ficou um pouco folclórica, era muito bacana.”

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