Cinco

Cinco

Lúcio Silva sentia falta de tocar as próprias músicas. Fez o álbum Silva Canta Marisa, com versões de músicas de Marisa Monte, emendou com o autoral Brasileiro, seguido de outro trabalho de versões, o Bloco do Silva. Chegou ao início de 2020, logo antes da pandemia do coronavírus, com a ideia de gravar um novo álbum, o quinto da carreira. E este é Cinco, um álbum de libertações, segundo o artista nascido em Vitória, no Espírito Santo. Diferentemente dos outros, o nome do álbum não veio antes das composições, como se fosse um guia, mas é um nome com vários microssentidos para Silva. Seu nome e sobrenome possuem cinco letras, trata-se do quinto álbum da carreira, e a família dele é formada por cinco integrantes (Silva, o irmão, a irmã e os pais). “Se me perguntassem: ‘Por que o título deste álbum?’ A resposta mais simples é que se trata do meu quinto álbum. Mas Cinco possui um monte de significados”, explica o cantor ao Apple Music. Um dos artistas mais sensíveis da sua geração, Silva se solta a cada álbum. O músico que chega a Cinco está em constante transformação, seja nos projetos autorais ou naqueles em que ele mergulha em músicas de outros artistas. “Foi bom ter esses projetos que não são de repertório autoral, [porque] isso vai dando outras ideias.” Por isso mesmo, Cinco se apresenta como um álbum com tantas novas sonoridades e experiências para o músico capixaba. Isso inclui novas colaborações, como a música com Criolo (“Soprou”) e João Donato (“Quem Disse?”), mas também um repeteco da elogiada parceria com Anitta (aqui, a cantora canta em “Facinho”). Silva também estreia em faixas de reggae (“Passou Passou”) e enfileira outras referências, que vão do encontro conceitual entre Roberto Carlos e Childish Gambino (“Não Vai Ter Fim”) e da experimentação com o samba (“Má Situação”, orquestrada por Pretinho da Serrinha) ao flerte com ritmos latinos, no caso, a bachata (“Pausa Para Solidão”). "Foi o álbum em que passei mais tempo no estúdio. Foram 580 horas", conta Silva. E, aqui, ele nos convida para conhecer cada detalhe de Cinco, seu quinto álbum, mas que é muito mais do que isso. “Passou Passou” "Eu entendo que, para a maior parte das pessoas, a letra é o mais importante nas músicas. Para mim, a importância da letra vem por último, a não ser que seja muito ruim a ponto de ser difícil de ignorar. Geralmente elogio primeiro a melodia, os arranjos, depois percebo a letra. A ideia de usar “Passou Passou” na abertura do álbum, e como single, não é somente pela temática dela, mas também pelo conceito. O álbum começa com uma música alegre, um ska, que é um gênero novo para mim. Nunca tinha flertado com esse tipo de música e sempre adorei. Esta é uma faixa que resume o que tenho ouvido nos últimos anos. É a música que dá a cara musical do álbum.” Sorriso de Agogô “É uma das músicas que fiz com meu irmão, Lucas, em Caraíva [cidade do litoral da Bahia]. Eu tinha uma ideia de melodia, e a letra brotou. Tem algo que me lembra a música brasileira dos anos 70. Fiquei muito apaixonado pelo Érlon Chaves [arranjador e maestro que morreu em 1974] quando conheci as músicas dele. E sou ‘fominha’ com isso. Fiquei interessado em ter essa coisa da bateria bem brasileira, com suingue, que flerta muito com os outros gêneros apresentados no álbum. Ter 'Samba de Agogô' como segundo single e como a segunda música do álbum ajuda a mostrar que não será um álbum monotemático.” No Seu Lençol “Esta é uma faixa sobre o amor. Eu amo o gênero rocksteady, então é quase como se fosse uma música do [grupo jamaicano] The Heptones. É bem uma musicona mesmo, né? Eu adoro este tipo de música. Geralmente músicas de amor são as de que eu mais gosto, porque têm uma simplicidade na letra, e o trabalho mais pesado está em outros lugares. Ela soa simples, mas não é.” Pausa Para a Solidão “Para mim, esta música é quase uma sofrência. Aqui no Brasil temos muito isso, né? A sofrência entra pelos poros da pele. Quis levar a música também para um lugar mais latino, no refrão. Não vou dizer que é exatamente uma bachata, mas a música tem, no refrão, uma linha de baixo que se aproxima desse gênero. É uma daquelas canções de amor, meio sofrência. Caetano Veloso e Marisa Monte sempre fizeram isso lindamente. Sempre que faço músicas de sofrência, eu recebo depoimentos e histórias das pessoas que se emocionaram com ela.” Não Vai Ter Fim “Eu e meu irmão, Lucas, temos um método de composição bem aleatório, sem muita metodologia (e acho que poderíamos até ter um pouco mais, para otimizar o tempo). Ele chegou e me mostrou o que tinha feito. E eu amei. Achei tão completamente diferente de tudo o que já fiz. Tem algo que é meio Roberto Carlos, e eu comecei a viajar nas ideias de arranjo, porque não queria que ela ficasse apenas uma coisa bonitinha. Eu gosto de brincar que esta música é um encontro da estética do Roberto Carlos com Childish Gambino, porque tem uma linha de baixo inspirada nele, que usa muito bem aquela coisa ‘maldosa’ de baixo dos anos 70, sabe?” Jogo Estranho “Esta música é uma baladona. Eu já tinha o esboço dela há muito tempo no meu celular. Aliás, neste álbum, fiz muito disso, de revisitar as gravações salvas no iPhone. Com esse esboço, finalizamos em Caraíva. É a única faixa do álbum em que a gente fala diretamente da quarentena, de amor nesse período. Tem também uma coisa dramática na música, que eu gosto.” Facinho “Brinco que esta é a música mais ‘cachorra’ do álbum. Ela tem uma letra simples e, ao mesmo tempo, é meio maldosinha, sabe? É um ska, e eu gosto muito do humor desta faixa. Anitta mandou muito bem no vocal, também. Ela canta de uma forma meio Lily Allen, bem gostosinha, bem pop. Gosto muito de trabalhar com Anitta porque, se gostar, ela vai lá, grava e manda o vocal em cinco dias.” Você “Esta é uma música profunda. Ela mexe bastante comigo. Me atrevi a escrever os arranjos do quarteto de violinos e gravei um deles. Fiquei muito feliz em conseguir colocar na partitura o que eu tinha na cabeça e ver isso funcionando. Falava no estúdio que essa faixa era como se o bloco da tristeza estivesse passando pela rua.” Quimera “É a minha preferida do álbum, talvez. Tem uma mistura que eu gosto bastante. Uma faixa bem R&B, com uma melodia bem brasileira. Eu até queria ter chamado o Djavan para fazer alguma coisa nela, mas, por causa da pandemia, não consegui. É uma música que chega no refrão, e ele é super grudento, quase como aqueles pagodes clássicos dos anos 90. E tem também o sintetizador, que é algo que eu não usava há muito tempo.” Não Sei Rezar “Eu raramente faço músicas só no violão, embora tenha começado com isso há pouco tempo, desde o final de 2018. Tentar condensar tudo no violão, uma ideia inteira, de modo que você não fique pensando que está faltando algo, é muito difícil. Acho que esta é uma faixa que dá um descanso para o álbum, dá uma limpada. Na letra, meu irmão estava inspiradíssimo e eu chorei quando ele a fez.” Furada “Eu adoro ‘Furada’ e estou doido para tocar essa música ao vivo. Ela tem algo de banda, uma música maldosa assim, de uma maneira que não havia feito na carreira ainda. Eu realmente sou um cara bem tranquilo, não fico ofendido quando alguém diz: ‘você é tão fofo’. Essa música fala daquele momento em que você saca o jogo da outra pessoa. Isso tem acontecido muito comigo. De gente que acha que vai acessar você de um jeito, pensa que você não está percebendo o jogo dela. Essa música é um recado para esse tipo de gente.” Quem Disse? “Sou extremamente saudosista quando vou falar sobre esses orixás da música brasileira. O João Donato [que participa da faixa] é musicalmente muito elevado. É genial o que ele faz harmonicamente. Gravei esta música no final de 2018. É importante que a nossa história musical continue rolando, que não exista uma ruptura. Essa faixa era um samba aceleradíssimo, e chamei Paulinho Braga para tocar bateria, e o que ele faz é um absurdo. O João chegou no estúdio, alto, andando devagarzinho, com aquela cara de menino e ficou ouvindo a música. Disse que era bonita. Ele pediu para ligar o piano elétrico, e para cada nota da melodia, ele fazia uma harmonia cabulosa. Os músicos tocaram isso em um take só.” Paulinho na bateria, com esse piano elétrico maravilhoso do João Donato e o Lucas Arruda fazendo o baixo. Eles são músicos de alto nível, que tocam a música inteira sem um erro. Essa faixa é um presente.” Soprou “Encontrei com o Criolo em uma festa de Réveillon, na virada de 2019 para 2020, em Salvador. A gente já se conhecia, mas nunca havíamos conversado. Naquela noite, tivemos uma conversa incrível. Um dos amigos que estava comigo disse a ele que deveríamos fazer uma música juntos. Criolo respondeu dizendo que deveríamos fazer se tivéssemos uma boa ideia. Já em Caraíva, onde estávamos hospedados, ventava muito e haviam muitas árvores. Ouvíamos o barulho do vento nas árvores e nos inspiramos nisso. Desde o começo, pensava que essa música era a cara do Criolo. Ele foi ótimo quando o convidei para participar, e escreveu a última parte, que não estava prevista. Ele me ligou para explicar a letra e o que ele queria dizer. Achei maravilhoso trabalhar com o Criolo, uma pessoa super interessante com o maior amor pela música, do jeito que tem que ser. Fiquei muito feliz com o resultado.” Má Situação “O Lucas fez essa música e me mostrou. Fiquei surpreso, ele fez um samba redondinho. O Pretinho da Serrinha disse que é um samba de quadra, um clássico, e perguntou de onde veio. A parte do meu pai, da família dele, tem uma cultura do samba. A gente gosta do gênero. O Lucas, inclusive, tem feito vários sambas, e não sabemos ainda o que fazer com isso. Mas queríamos muito que essa música entrasse no álbum. O único lugar em que caberia seria no final. Tem uma alegria nela, não é? Minha mãe canta na faixa. Ela tem uma voz super afinada, bem aguda. É uma das músicas mais importantes do álbum, uma composição bonita, que me emociona, e que está no lugar certo.”

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