Bivolt

Bivolt

Bárbara Bivolt demorou dez anos para chegar até aqui. Conhecida das batalhas de rap de São Paulo, ela não carrega esse codinome à toa. Sua versatilidade faz com que ela vá de 110 volts, cantando um R&B bem suave e docinho¬¬, até 220 volts, com rimas mais pesadas e um lado mais “porradão” –– com uma facilidade incrível. Dualidade que ela tem orgulho de ostentar. “Basicamente a gente dividiu o álbum em duas partes, 110v e 220v. Então, são sete músicas mais calmas e outras sete mais pesadas. Mas a gente também não quis dividir, porque Bivolt é basicamente isso tudo numa coisa só”, explica a rapper. “É tudo fluido, que é exatamente como eu sou, como nós somos. Uma hora a gente tá na risada, outra hora a gente tá na braveza (risos).” Produzido pelo experiente produtor Nave, o álbum de estreia de Bivolt traz influências que ela acumulou ao longo da vida, ouvindo cantoras como Erykah Badu e Spice, além de muito rap dos anos 90. Ela também fez questão de reunir um time de peso nas participações: Tasha & Tracie, Jé Santiago, Xênia França, Dada Yute, Tropkillaz, Lucas Boombeat e até sua própria mãe, dona Clara. “Essa estrutura que tive para lançar meu álbum foi uma coisa com que sempre sonhei. Já chorei muito por não ter estrutura para lançar uma música, um clipe, e do nada você ganhar a atenção de uma gravadora tão grande, ter a estrutura para lançar um trabalho do jeito que sempre sonhou”, comemora Bivolt. “Está sendo realmente a realização de um sonho. Realização de tudo aquilo que projetei. Projetei muito chegar a esses lugares e agora está acontecendo. Nunca precisei mudar meu jeito para alcançar esses lugares, e funcionou.” Abaixo, Bivolt fala um pouco sobre cada uma das faixas do seu álbum de estreia. 1. 110v “Em ‘110v’, estou dando uma resposta para todas as perguntas que me fizeram: ‘por que você não vira advogada?’, ‘por que você não faz uma faculdade de medicina?’. Você não tá precisando trabalhar disso aqui, do sei que lá. É sempre isso, sabe? Meu trabalho nunca foi valorizado aos olhos da sociedade. Quando falo que sou cantora, as pessoas falam, ‘mas você canta o quê? Pop? Sertanejo?’. E quando falo que é rap, parece que fica desinteressante. A faixa ‘110v’ foi uma resposta para tudo isso, porque não quero ficar longe daqui, não consigo ficar longe daqui, é a minha casa, o meu lugar é a música.” 2. Você Já Sabe “‘Você Já Sabe’ é um lado meu bem 220v. Quis começar o álbum com um boom bap clássico do Vibox, que é um produtor de quem gosto muito. Então é uma música que tem scratches, que tem colagem, em que falo muito de me reconhecer, de deixar de lado tudo aquilo que me deixa mal. Porque às vezes a gente fica procurando respostas que a gente já sabe quais são. Estou falando sobre união, do quanto a gente fica mais forte quando sabe do nosso propósito e encontra outras pessoas iguais a nós. Foi exatamente o que aconteceu comigo, me vi mais forte quando vi que havia pessoas iguais a mim fazendo as mesmas coisas que eu, o coletivo. Essa faixa tem scratches do DJ Nato PK. No meio, tem umas colagens do RZO e, no final, eu quis terminar com uma colagem da Rubia (Fraga). Acho que as pessoas deveriam saber quem é ela, é a Rubia do RPW, que foi a primeira mulher que vi em ascensão dentro do rap, ela faz parte da história do hip-hop nacional. Muita gente já bateu cabeça ao som de RPW e essa colagem dá um sentimento a mais no final da música. Uma homenagem.” 3. Me Salva “Amo demais esta música, é bem anos 2000, é tipo um balanço. Me salva, o mundo tá acabando, a gente está com um presidente horrível no poder, as pessoas estão se matando, matando animais, guerra, bomba para todo lado, ninguém respeita ninguém. Aí vou pedir ajuda para um E.T.... Meu amigo, vem me salvar, porque com certeza aí deve estar melhor do que no meu planeta. Foi uma música que fluiu de mim. Nunca chego ao estúdio pela manhã, sou um pouco mais noturna nas minhas atividades. Foi bem num dia em que cheguei de manhã para trabalhar no estúdio. Gosto muito de compor no estúdio e já gravar, mas não estava conseguindo produzir nada. Cheguei umas 10 horas da manhã, quando deu umas 9 da noite o Nave já tinha até desistido e começou a mexer em outros beats, até que ele parou nesse beat e falei, ‘o que foi isso aí?’. Ele falou, ‘não é nada, é só uma trilhazinha que eu tô fazendo’. Pedi para ele colocar de novo, sentei, tomei uma taça de vinho e em cinco minutos a música estava pronta.” 4. Murda Murda (ft. Tasha & Tracie) “Eu, Tasha e Tracie temos uma amizade de dez anos ou mais. A gente se conhece há muito tempo, elas sem dúvida são minhas melhores amigas. São as pessoas com quem divido meus segredos, minhas angústias, minhas realizações. Sempre soube do talento delas como escritoras, como redatoras, como pessoas de expressão. Elas são multitalentosas, sabe? Elas se expressam através da arte, da moda. Sempre gostei do jeito como elas se expressam. Um dia essas minas chegaram em casa e falaram, ‘a gente fez uma música’. Foi quando ouvi a primeira vez ‘Cachorra Kmikze’, primeiro single que elas lançaram. Eu chorava não só de orgulho de ver as minas realizando aquilo tudo, mas me senti representada, fazia tempo que não ouvia algo que fizesse tão bem para mim. Me devolveu a autoestima pra caramba. Elas nem tinham lançado e a gente foi pro estúdio gravar juntas. É surpreendente o jeito que elas compõem, é um absurdo, sou muito fã, de verdade. A música tem uma influência muito ‘golden era’ do rap dos anos 90. A gente está realmente matando a cena com esse som, tomando de assalto, bem sangue nos ‘zóio’. Sem dúvida, é muito 220v esta música.” 5. Cubana “Ela tem bastante referência latina, é bem dançante. Quando compus esta música, imaginava uma pessoa, uma mulher cubana. Essa foi a brisa, compus pensando nessa mulher, em nenhum momento falo de Cuba. Pensei numa mulher que roubava a cena, que chegava e me conquistava, e todo mundo queria essa mulher. Ela é muito inteligente, é o retrato da mulher independe do Brasil. O Nave tinha ouvido um beat do Doug de que ele tinha gostado bastante, com essas referências meio latinas. Aí ele começou a produzir um outro beat e mandou paro o Doug, que encheu com metais. Ela ficou bem latina, só que a gente falou que precisava ‘abrasileirar’ mais, então o Doug foi e colocou um funk no meio da parada. É uma música petista, Cuba-Brasil (risos). Uma música comunista (risos). Ela é bem cheia de ritmos, por isso a considero uma das principais do álbum. Ela é muito dançante, não tem como escutar este som e ficar parado.” 6. Mary End “Esta sem dúvida é a minha favorita. Foi a única música que gravei e falei, ‘tá pronta’. Gravei de primeira. Ela é bem o meu cotidiano de uns anos atrás. Aquela parada de ir do trabalho para casa. Eu relato um dia em que estava supercansada, querendo ir para casa, louca para fumar um bequinho, chego em casa, e fumaram meu beque (risos). É basicamente isso, mas contado de um jeito mais bonito. Falo todas as coisas que enfrento, tipo sair do trampo cansada, entrar no ônibus e não ter lugar para sentar, você ser abordado pela polícia porque mora na favela, e as pessoas estão prontas para te julgar, mas as pessoas que também são da favela não te julgam porque sabem que você vive lá. É o relato do cotidiano de uma vida normal. Toda vez que canto, ouço essa música, passa um filme na minha cabeça. Acho que as pessoas vão gostar muito, porque falo de um jeito bem subliminar sobre o beque mesmo.” 7. Tipo Giroflex (ft. Jé Santiago) “Ela não só tem o Jé Santiago como tem o Bruce Lee e tem minha mãe também, dona Clara. Ela não sabe ainda que está na música, só vai descobrir na festa de lançamento do álbum, e sei que a velha vai chorar (risos). Esta produção foi do Filiph Neo, fazia muitos anos que estava com esta música. Para você ver como música é uma parada atemporal, hoje, quando a escuto, acho ela superatual. Acho um R&B extremamente atual. Quando comecei a escrever, pensei que precisava chamar um cara para cantar comigo. Conheço o trabalho do Jé bem antes da Recayd Mob. Sou muito fã dos trabalhos de R&B dele, porque acho que ele é um dos cantores mais talentosos do Brasil. Pouca gente sabe que além desse trabalho do trap que ele faz, ele canta muito. Ele falou que sempre foi um sonho produzir com o Filiph Neo, realizamos tudo de uma vez só. Quis fazer uma parada mais fluida, isso traz um suingue diferente, um balanço. Uma parada dos homens e mulheres cantarem um versinho juntos, acho isso tão tudo. Fiz ela logo depois que fechei com a gravadora, estava muito emocionada com tudo o que estava acontecendo na minha vida. Coloquei o Bruce Lee nessa faixa porque tem uma entrevista bem famosa dele em que ele fala que a gente tem que ser como a água, que a água se adapta a tudo, mas ela não se transforma. O Bruce Lee nasceu no mesmo dia que eu, 27 de novembro, temos quase o mesmo mapa astral. Nessa mesma entrevista, ele fala que fazer os filmes de luta é como atuar e não atuar. É como eu me sinto quando estou nos palcos, você não está atuando, mas está atuando.” 8. Peixinhos “Classifico ‘Peixinhos’ com um ‘neo-trap-soul’. Ela é um trap, mas eu não sei fazer trap. Não sei, não me dou muito bem. Ela tem uma batida de trap, mas cantada do meu jeito. Ela é totalmente melódica, cantada, bem o meu lado 110v mesmo. Quis fazer uma coisa mais calminha. Ela fala sobre viver na cidade, sobre como fazer grana, de como as pessoas falam coisas sobre você sem ao menos conhecer a sua história, sobre como a gente é julgado pra caramba. A brisa desta música, os peixinhos, eles são as notas de cem reais. Porque quando a pessoa vem falar a história, já falo: ‘É história de pescador, eu só pesco peixe, peixe grande, peixe azul, peixe de 100’. ‘Peixinhos’ é bem calma, mas é uma música bem forte, importante também. Porque, ao mesmo tempo que ela é calma, também é dançante, ela passa o recado. Porque a gente é do corre, mas todo mundo quer dinheiro. Não adianta.” 9. Susuave “Essa é um recado para as pessoas que gostam de falar mais do que devem. Se a pessoa tem alguma coisa para falar, tô aí nas ruas até mais tarde, vem falar na minha cara. É exatamente sobre isso (risos). Ela é um boom bap também, do Bolin, gosto muito das produções dele, ele é lá do ABC, faz um boom bap pesadão. Quando ele me mandou esse beat, amei de paixão e fiz este som. É uma música de autoafirmação e cotidiano, só que uma parada exatamente sobre isto: se tiver um problema com a pessoa, você vai lá e fala na cara dela, não fica mandando recado, porque acho que isso faz parte da evolução, do amadurecimento.” 10. Sigilo “‘Sigilo’ é uma música bem brasileira, mas ela tem um ‘sauce’ bem de reggaeton, a raiz da batida dela é bem reggaeton. É o samba misturado com o reggaeton, misturado com o rap, é muito cheia de ritmo. É uma coisa que, sei lá, a Ivete Sangalo poderia cantar, mas é a Bivolt quem está cantando. É uma música de amor, em que duas pessoas se conheceram e tudo foi muito rápido. Eles botam o pé na estrada e vão viajar, não sabem para onde vão e, de repente, estão na praia vivendo os momentos mais lindos e quentes do verão. É uma música bem pra cima. Eu estava bem apaixonada quando a escrevi. ‘Sigilo’ é o resultado de um grande amor que já acabou (risos).” 11. Nome e Sobrenome (ft. Xênia França) “A Xênia França é uma deusa que veio me abençoar com o cosmos. Sou muito fã, a acompanho desde o Aláfia, de que eu gosto muito também. Eu joguei para o ar, ‘tenho vontade de fazer um som com a Xênia França’. E o cosmos está tão alinhado a favor deste álbum que é aquilo: quando a gente projeta, acontece. Minha empresária encontrou a Xênia em Nova York, no meio da rua e falou: ‘A Bivolt é doida para fazer um som com você!’. A Xênia topou, falou, ‘vamo pra cima’. Foi inesquecível. No momento em que a Xênia estava gravando a parte dela, o Lula estava sendo solto da prisão. Tem um alinhamento do cosmos forte. Juntou uma sexta-feira de Oxalá, Xênia França e Bivolt no estúdio. Foi tão perfeito esse encontro que nem o Lula aguentou ficar mais no quadradinho dele. Ela é uma música que fala sobre amor próprio: como é possível amar o próximo como a si mesma se você não se ama? Fala sobre se permitir fazer as coisas, dar uma chance para você mesma. Todo mundo que tocou nesta música quebrou muito, tem muita coisa orgânica. Ela traz uma paz espiritual. Ao mesmo tempo que ela é calma, ela também tem batuque. Tem muita referência de afrobeat, queria fazer um afrobeat mesmo, para Xênia cantar e sair um pouco da MPB que ela faz, trazê-la para o meu universo.” 12. Freestyle (ft. Dada Yute & Tropkillaz) “‘Freestyle’ tem um beat do Nave com o Tropkillaz. Quem canta comigo nela é o Dada Yute, que é um cara muito foda do reggae, muito incrível. Foi onde quis jogar um pouco das minhas influências de dancehall, uma parada mais dançante mesmo, uma noite livre para todos. A mensagem é exatamente sobre isto: como você ser livre, dono de si, uma noite quente de verão absurdo ao som de Tropkillaz, cê é louco! O Dada Yute é muito amigo mesmo, de ir pro rolê junto, falei para ele que queria fazer uma música igual as nossas vivências na balada, para mulherada dançar, para me exaltar. Como sou do freestyle, minha cultura é muito da batalha, a gente fez uma analogia, a gente faz tudo no freestyle. Viver a noite no improviso. Tudo o que é do freestyle tem a opção de dar muito bom e de dar muito ruim. Aqui deu muito bom, amei o resultado.” 13. Hipnose (ft. Lucas Boombeat) “Esta eu fiz com o meu irmão, Lucas Boombeat. Você viu, né? Este álbum é só melhores amigos. Ele (Lucas) é uma referência não só na cena LGBTQ+, mas em tudo o que ele faz. Ele me ensina muito. Falei que a gente tinha que fazer uma música afrontosa, para o nosso bumbum hipnotizar. Nas letras dele, ele fala muito de como é ser gay nesse rolê do rap, sobre a galera não olhar para a sua cara no dia a dia e depois, quando seu rolê está dando certo, vir te exaltar. Em ‘Hipnose’, a gente quis fazer uma historinha, como se estivesse todo mundo dançando, e aí chegam uns playboys, vêm aqueles héteros brancos cis, bem normativos, querendo causar, e a gente joga um poder de b••• neles. Temos uma hipnose que sai do nosso bumbum. Se você é do bem, você só é contagiado. Mas se você não é, vai ficar hipnotizado pelo meu bumbum e vai virar do bem na marra. Vai aprender a fazer quadradinho.” 14. 220v “‘220v’ é o complemento da ‘110v’. É a música que, se tocada ao mesmo tempo com a ‘110v’, vai trazer a Bivolt, que é a 15ª música. Ela tem uma influência do rap de Nova Orleans, uma parada mais pausada. Deixo mais o beat falar por mim do que as minhas próprias palavras, justamente para dar esse lance complementar com a outra música. Eu falo que joias não me compram. Prata, diamante não valem nada, porque o meu brilho está na alma. Falo exatamente isto: que bens materiais não me conquistam. Me conquista muito mais a ideia, porque hoje já estou vivendo o lifestyle com que sempre sonhei. Não queria morar numa mansão, nem nada disso. Viver da música sempre foi o meu sonho. Então, basicamente, já o estou realizando. É sobre isto: que nenhuma grana corrompa a sua postura.” 15 ⚡ (Bivolt) “A brisa era conseguir traduzir o que era a Bivolt. Como vou conseguir explicar para as pessoas esse conceito, que são dois lados meus, só que não sou duas pessoas diferentes, sou uma coisa só. Pedi para o Nave produzir duas faixas que se completassem, minha ideia foi essa. A gente vai produzir junto e vai dar tudo certo… e deu. Gostei muito do resultado.”

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