Baile & Sauce

Baile & Sauce

O batidão acelerado do funk ou a pegada arrastada do trap? Para Victor Hugo de Oliveira Rodrigues, o VHOOR, não é uma questão de escolha: o produtor mineiro prefere ficar com os dois. Novo álbum do projeto Baile &…, Baile & Sauce traz exatamente essa fusão entre os estilos em produções cheias de colagens, referências e recortes de vocais de MCs de todos os cantos do Brasil. "Essa mistura do trap com o funk pode parecer improvável, já que o primeiro é, por característica, mais arrastado e o segundo traz batidas bem mais rápidas. Mas é a mágica do contratempo. Além disso, esses gêneros são irmãos, vêm da mesma vertente, então, quando você descobre o ponto de encaixe, dá muito certo", conta Victor Hugo ao Apple Music. Autodidata, o produtor, que cresceu na periferia de Belo Horizonte, aprendeu todas as técnicas de produção de música eletrônica em softwares, fóruns e vídeos na internet, além de, claro, consumir muita música. "Sou filho de músicos, cresci em um ambiente musical, mas sou de uma geração e de uma classe social cujo instrumento é o computador. Essa possibilidade de produzir música só com computadores e com a internet democratizou o acesso. Hoje, muito mais gente, principalmente nas periferias, pode fazer música", diz o mineiro. "A produção de música eletrônica periférica é um movimento que só cresce ao redor do mundo e está criando uma identidade muito própria." O repertório que Victor Hugo construiu ao longo da vida foi fundamental para, hoje, poder criar um estilo próprio dentro desse universo – ele viu de perto a evolução da cena funk na periferia da capital mineira e bebe dessa e de outras fontes de referências do país, principalmente do pancadão carioca e do funk paulista, além do trap dos Estados Unidos, onde o estilo é mais consolidado, e da música eletrônica de Londres. "Faz cinco anos que produzo e acompanho essas evoluções da música aqui e lá. A cena de Belo Horizonte ainda está engatinhando. A nossa identidade funkeira ainda é bem underground e muito ligada às favelas, e só às favelas, diferente do que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde o funk já chegou ao mainstream", explica. "Então a ideia de Baile & Sauce é trazer todas essas misturas, a combinação do funk do Sudeste, principalmente com essa influência forte da cena mineira, e também com essas referências de fora, em um som novo, diferente." E não é só de experimentação e colagens criativas que as produções de VHOOR são feitas – por meio das letras de MCs, o mineiro também busca resgatar a identidade da periferia. "O funk proibidão, que tem essas letras muito explícitas e sexuais e que também falam da violência na periferia, sofre muito preconceito, muita gente acha agressivo, vulgar. Mas esse conteúdo lírico do funk se valida pelos ambientes geográficos e econômicos que a gente tem no Brasil. É nossa história social, esses MCs estão cantando a realidade deles", diz. Para contar na prática como combinou tantos elementos, VHOOR comenta, a seguir, faixa a faixa de Baile & Sauce. Perninha "Este som é um trap, mas também pega muito essa vibe do R&B. A galera da cena de Atlanta, de uns tempos para cá, tem misturado muito o trap com o R&B. Acordes mais melódicos com acordes mais soul, que trazem essa pegada mais romântica, mas sem deixar de lado a estética do trap. Eu quis trazer um pouco dessa mistura para 'Perninha', dar um tom mais bem-humorado, mas mantendo as bases do trap e do funk, e também trazer a nossa vivência de periferia. É um contraste legal, essa estética mais romântica, mas abordando temas pesados. É um estilo bem específico, que em Atlanta chamam de plug, uma subvertente do trap." Dela "Gosto muito desta música. Ela traz esse avanço do BPM [batida por minuto] do funk do Rio do Janeiro, que foi aumentando com o tempo – nos anos 90, o funk carioca estava em 128 BPM, hoje chegou a 150, bem acelerado, e, na periferia do Rio, já está caminhando para 170. Então, peguei essa referência para fazer um trap nessa pegada, mas mantendo os elementos percussivos que o funk já tem. Foi um desafio interessante juntar um funk de 170 BPM, que é muito rápido, com o trap, que é um estilo bem mais lento." Catucadão "Essa música tem como referência essa nova perspectiva do funk paulista, com cada vez mais MCs mulheres na cena, com essa pegada mais agressiva, como a MC Dricka, que canta em 'Catucadão'. Aqui, tentei mesclar o estilo do funk feminino de São Paulo com o trap agressivo e mais pesado das americanas, como a Megan Thee Stallion. Acho que encaixou de um jeito muito legal, porque são letras mais agressivas e empoderadas, que colocam a mulher como dominante." Ritmada "Aqui foi um desejo meu de fazer algumas experimentações, porque esta é uma faixa mais clean, e tentei inovar com alguns elementos percussivos. Então tem muita coisa diferente que a gente pega da música eletrônica, principalmente da cena de Londres, para criar os beats. Gostei muito do resultado, porque eu trabalho com música eletrônica, e a gente pega muitas referências do mundo inteiro, principalmente da música eletrônica periférica. Em Londres, desde os anos 90, tem rolado muito isso, os MCs de lá rimam em cima de batidas mais eletrônicas, principalmente por causa dessa cultura deles com o gênero. Arrisco dizer que eles são quase que segundos criadores, os maiores disseminadores da música eletrônica pelo mundo depois dos Estados Unidos, e os ingleses têm várias vertentes ligadas a esse estilo. Então 'Ritmada' é uma tentativa de mesclar isso com o funk, é uma experimentação que gosto muito de fazer." De Novo "Esta é mais lenta, também traz essa referência do funk de São Paulo e tem uma carga muito minimalista. Porque o funk paulista é eletrônico, é pesado, mas também é minimalista. Se não me engano, São Paulo foi o primeiro ou um dos primeiros estados a popularizar o funk produzido em computador – antes era em bateria eletrônica. Então, para 'De Novo', peguei essa referência dos beats mais orgânicos, feitos em computador. E esse foi um estilo que ficou esquecido por um tempo, com a alta do funk ostentação, mas que está ressurgindo, principalmente nas periferias, que é a cena mais underground. Então achei bem legal resgatar essa pegada." Gostosinho "Esta é uma música gêmea da ‘Catucadão’, porque tem a mesma ideia: trazer o funk paulista mais agressivo das minas. E foi um processo muito legal, porque eu conversei com a MC Danny, que é quem canta 'Gostosinho', e ela achou essa mistura superinteressante. E é algo muito novo mesmo, porque tem muita referência de trap, mas os MCs de funk não são familiarizados com esse estilo, então, quando escutam, acham inovador. A MC Danny ficou muito feliz com o resultado, e me disse: 'Nossa, nunca achei que a minha música pudesse soar como um som gringo'. Foi bem legal. Fiquei feliz com essa faixa porque ela tem um peso de que gosto bastante." Novinho "Esta é uma track, digamos, mais padrão. No sentido de que quem consome trap vai se identificar mais com este som, porque traz elementos que já são bem comuns e característicos do estilo, como o autotune e a linha melódica, que tentei trazer para a faixa, uns acordes de violão… Recursos que têm sido muito usados no trap, essa linha mais melódica com elementos acústicos. Gostei muito desta produção porque foi muito legal trabalhar com o autotune em um flow de funk em português. Quando a gente assimila toda a estética do autotune, tem que pensar também na adaptação, porque tudo o que consumimos de trap hoje vem basicamente dos Estados Unidos, então o inglês, os sotaques dos americanos, são coisas muito relacionadas ao autotune. Quando a gente vai fazer aqui, é importante entender essa questão da diferença de idioma, de sotaque, porque a forma como a gente utiliza as sílabas, as vogais é diferente. Então o desafio é fazer com que o autotune seja mais natural para a nossa própria língua. E gostei do resultado, achei que a track ficou com autotune forte, mas de uma forma agradável, sem ficar pesado ou robótico." Mão na Parede "Esta música é, vamos dizer assim, 70% trap e 30% funk. Ela representa o que gente tem de mais atual no trap brasileiro, que é bem agressivo e distorcido, o que chamam por aqui de 'no melody', porque é um trap que basicamente não tem melodia, a não ser a linha vocal, com os graves superdistorcidos. E aí a gente consegue acrescentar elementos percussivos ou efeitos sonoros. Em 'Mão na Parede', brinquei com alguns elementos de cartoons bem antigos – achei que traria um aspecto mais interessante para a track." Lembrando "Acho importante citar que esta música vem de um vocal de funk carioca, uma paródia do [rapper brasileiro] Matuê, que fez muito sucesso no Rio. Ela tem essa pegada bem trap, com o vocal e a melodia, mas não deixa de ser um funk. Achei isso bem legal porque mostra que a galera do movimento do funk também está se ligando nessas tendências para produzir seu próprio som. Então quis que 'Lembrando' refletisse bem essa mistura de estéticas." Quadradinho "Para mim, esta é a faixa mais alternativa e experimental do álbum. É a música em que mais me soltei criativamente. Pensei: 'Vou tentar fazer algo completamente novo, mas dentro do meu estilo.' É uma música muito rápida, tem o timbre muito agudo e diferente. Acho que, em uma primeira audição, ela pode soar meio estranha, mas vem de um movimento global de músicas mais atmosféricas. Joguei vários elementos nela – samples, ferramentas e estilos diferentes para criar texturas únicas. O resultado ficou bem legal, acho que é uma experiência única dessa química entre funk e trap. Também gostei bastante do processo de criá-la, porque me soltei totalmente com todos esses elementos e referências, com essa vontade de produzir algo novo e interessante." Vinte Duas "É a faixa perfeita para fechar o álbum. Ela é mais lenta e minimalista, vai desacelerando. Gosto bastante de 'Vinte Duas' porque tem essa pegada etérea, introspectiva e, mesmo sendo simples, é rica em texturas e elementos. Por mais que o funk esteja muito associado a festas, ao pancadão, gosto também de explorar esse lado mais reflexivo e lento da música. Acho que este som tem bem cara de final, amarra bem todas as faixas anteriores, e já prometendo um futuro, quase como se fizesse um gancho com outro trabalho, ainda por vir."

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