Abricó-de-Macaco

Abricó-de-Macaco

"O novo trabalho do cantor e compositor João Bosco mergulha nas releituras dos clássicos de sua própria autoria, mas também desbrava novos caminhos para sucessos internacionais e da MPB. Com 16 faixas gravadas em estúdio, mas com a pegada de um show ao vivo, Abricó-de-macaco faz uma verdadeira viagem pelos ritmos nacionais, com destaque para o samba. “É uma espécie de mosaico de regiões sonoras brasileiras e estrangeiras também, sendo que dessas estrangeiras, elas são reinventadas, recantadas, relidas dentro de um contexto da cultura nacional, da cultura local, aquilo que eu sinto como brasileiro”, explica João Bosco ao Apple Music, se referindo às interpretações de “Blue in Green”, de Miles Davis, e “My Favorite Things”, canção da trilha sonora de A Noviça Rebelde, que foram reimaginados pelo artista neste álbum. “Deixa de ser estrangeiro a partir do momento em que você relê essa história, passa a ser uma história local. Dentro de um mundo poético que dialoga muito com essa diversidade que é uma característica.” Abricó-de-macaco é uma espécie de árvore originária da Amazônia e que dá nome ao projeto e à música inédita do seu repertório. Árvore que dá frutos que desabrocham em flores exuberantes, encontradas em bairros do Rio de Janeiro como o Leblon. “Um samba inédito que fala de situações muito amplas, existentes entre o firmamento e o chão. Essa coisa toda que a gente poderia chamar de vida”, conta João Bosco, que usou o fruto, que se transforma com as estações, para fazer uma metáfora da vida. “Porque as coisas podem ter o seu tempo dentro de um esquema obscuro, fechado, mas, em determinada estação, isso pode se abrir e se abrir em flor, como numa primavera. É o samba que fala de situações múltiplas, soltas, daquilo que existe na vida da gente, aquilo que a gente observa, que o samba capta. Então acho que o ‘Abricó-de-macaco’ tem muito a ver com o DVD inteiro, como um todo.” Abaixo, João Bosco comenta cada uma das faixas de Abricó-de-macaco: Mano Que Zuera “‘Mano Que Zuera’ abre o DVD exatamente por ser o álbum mais recente, é como se você quisesse construir uma ponte do tempo entre o lançamento mais recente e o atual. É como se você quisesse lembrar de onde você vem. Não só você, mas as pessoas que acompanham o seu trabalho. É interessante porque há esta ligação, os músicos que gravaram comigo ‘Mano Que Zuera’ são os mesmos músicos que gravam o Abricó-de-Macaco, as únicas novidades no que no que diz respeito aos instrumentistas são Marcelo Caldi, no acordeão, e os meus convidados que pertencem a uma geração de compositores e músicos mais recentes, que são Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Pedro Miranda e Moyseis Marques. Tem um arranjo diferente. ‘Mano Que Zuera’ é interessante porque pra mim ele narra uma certa expectativa de comunicação entre pessoas cuja possibilidade de conexão é sempre cortada por uma interferência e de repente essa interferência são múltiplas na vida. A história é o sujeito que quer encontrar uma moça e tem uma multidão entre os dois. Isso é uma necessidade que todos nós temos na vida, que é essa necessidade do outro, de chegar perto do outro.” Abricó-de-Macaco “‘Abricó-de-Macaco’ é onde me apresento solo, estou só voz e violão, isso remete ao início do meu ofício como compositor, quando chego ao Rio, em 1972, para gravar o já conhecido Disco de Bolso D’Pasquim, em que eu era o lado B desse disco, com ‘Agnus Sei’, parceria minha com o saudoso Aldir Blanc, e o lado A era aquele compositor que me apresentava para o público, que era o Antônio Carlos Jobim, já consagrado, que grava a inédita ‘Águas de Março’. Acho que no ‘Abricó-de-Macaco’ também abro o título do DVD como se eu estivesse recomeçando a minha vida de novo, voz e violão.” Terreiro de Jesus “É um samba que fala sobre bambas, porque o Terreiro de Jesus é um espaço que existe lá em Salvador, onde numa época eu fui convidado para participar de um grande show em homenagem ao Dia Nacional do Samba, que se comemora no dia 2 de dezembro. Já fui pra lá mais de uma vez pra comemorar esse dia, mas, dessa vez, até o Paulinho da Viola foi comigo. O Terreiro de Jesus é uma praça com os bares e as catedrais em volta dela, aquela coisa da arquitetura e desenho de Salvador, que é uma coisa fantástica. É mais um evento de um país laico, porque nós estamos ali no Terreiro de Jesus cantando todos os sambas de todas as origens, e isso só é possível num país laico como o nosso. Ali estava a religiosidade africana, a religiosidade católica. A pessoa que organizou esse evento foi um compositor baiano chamado Edil Pacheco, a gente conversando falei, ‘pô, a gente tem que fazer um samba sobre fazer um samba no Terreiro de Jesus’. Então acabou que eu, o Edil e o Francisco Bosco fizemos este samba que fala dos bambas. Fala do samba, da sua história, fala do samba da Bahia, do samba do Rio de Janeiro, fala da ligação das duas cidades. É uma grande homenagem aos bambas, ao samba, ao Dia Nacional do Samba.” Cabeça de Nêgo “‘Cabeça de Nêgo’ é o nome de um álbum que gravei em 1986, que talvez seja o álbum mais afro que eu tenha gravado na minha vida, onde se concentra toda a negritude que pude ir assimilando nas minhas andanças por aí. Ela começa por uma história do jongo do Aniceto do Império, com o Aniceto falando sobre jongo: ‘Cacurucai eu to, Perengando to’. Ele falando ‘cacurucai’, que é uma espécie de enfermidade, de doença; e o ‘perengando’, que é o perrengue mesmo, o sufoco, a batalha. Ele estava se referindo ao jongo como uma dificuldade de o jongo sobreviver dentro da cultura afro-brasileira, e acho que todo dia nós temos que pensar nisso, todo dia corremos risco de coisas que estavam ativas e que de repente podem estar no processo de extinção. Isso acontece tanto no mundo animal, no mundo do animal irracional, no mundo das palavras que traduzem uma série de situações de conforto para o ser humano como delicadeza, entretenimento, compreensão. Como afeto, amor, respeito, tolerância. Uma série de coisas que estão aí, mas, se a gente não cuidar, acabam desaparecendo. Na época que escutei esse jongo, me emocionei muito, achei muito válida essa preocupação dele e tal. E o jongo tem essa brincadeira de decifrar enigmas. Achei nisso uma oportunidade de fazer uma brincadeira de enigmas com os nomes das pessoas que estava homenageando. Esta releitura do ‘Cabeça de Nêgo’ ficou incrível, porque a Anat Cohen tem momentos de improvisação de vários compassos, onde ela está praticamente sozinha. Depois é que a bateria entra e faz mais alguns compassos com ela, depois é que a banda volta com aquele mantra, naquele espaço onde você faz aquelas citações, aquelas homenagens.” Pot-Pourri: Cordeiro de Nanã / Nação “‘Nação’ eu já tinha gravado no álbum Comissão de Frente. Clara Nunes também tinha gravado no álbum dela que tem esse título. É um samba um pouco aquarela, um samba que desenha a paisagem brasileira, a partir das primeiras tribos chegando ao Brasil, os negros que chegam nos navios negreiros que aportam também em Salvador. Um samba que fala da paisagem brasileira, mas culturalmente faz a ponte entre a Bahia e o Rio de Janeiro. ‘Cordeiro de Nanã’ é uma música feita lá nos anos 70 por uns baianos de um grupo chamado Os Ticoãs. Lembro que começamos as nossas carreiras praticamente juntos. Nanã é uma espécie de portal dentro da religião dos orixás. Você tem a vida e do outro lado do portal você tem a não vida. É uma música muito representativa dessa questão da Bahia e sua religiosidade. É uma canção que João Gilberto chegou a gravar no álbum Brasil. Eu quis fazer uma abertura de ‘Nação’ e pegar uma música tão icônica quanto ‘Nação’, que é ‘Cordeiro de Nanã’. Há uma abertura com ‘Cordeiro de Nanã’ e com um samba de roda da Bahia que eu cito: ‘Vou pra Bahia, vou ver. Vapor correr no mar. No mar, êh êh no mar, êh êh no mar’. Uma espécie de samba de roda com jongo.” Holofotes “‘Holofotes’ é uma música minha com Waly Salomão e Antônio Cícero, a gente fez lá naquela época do álbum Zona de Fronteira. Esta música inicialmente foi feita para Gal Costa. Ela gravou no álbum dela, depois que eu gravei. Me lembro até que eu estava na época no Japão e recebi um fax do Waly e do Cícero com a letra. Fui trabalhando, cheguei aqui e mostrei para Gal. ‘Holofotes’, como o nome diz, é uma grande luz que abre o caminho de quem procura as coisas, e há uma procura pelo personagem muito parecida com o que existe no ‘Mano Que Zuera’, que ele já começa dizendo: ‘Dias sem carinho, só que não me desespero: rango alumínio, ar, pedra, carvão e ferro’. Topo qualquer parada para ir de encontro com o que eu procuro, aquilo que eu acredito, então eu não meço esforços para isso. É uma procura incessante de algo que você considera prioritário na sua vida. ‘Holofotes’ tem essa luz que orienta, que nos faz descobrir, que nos faz ver, que nos traz pro futuro.” Horda “‘Horda’, como o próprio nome diz, é uma espécie de espaço das confusões, da balbúrdia, do desprendimento, horda. Isso é uma coisa que a gente não tem controle, é impossível controlar a horda, não há um esquema de segurança que consiga abafar isso. É quebra pau, é o ambiente das confusões. Depois você tem o outro movimento, que é um movimento onde tem uma situação que eu chamo de ‘onomafrobeico’, em que você diz sonoridades que são sons, mas que não são palavras do léxico, do dicionário. São situações que vão criando sonoridades e sempre precede a pergunta: ‘O que que é?’. Como se a pessoa não estivesse entendendo o que estava acontecendo. Isso acontece nos dias de hoje, quando você está falando uma coisa e a pessoa não está entendendo o que você está dizendo. Precisa às vezes decodificar certas coisas que as pessoas não entendem. Então tem sempre essa coisa meio “onomafrobeico’, você diz aquelas coisas dentro de um universo quase hip-hop. É uma horda, é uma confusão do capeta.” Profissionalismo É Isso Aí “‘Profissionalismo É Isso Aí’ é aquele cara que quer ser mais malandro do que a malandragem, e aí se ferra. Porque acha que vai se dar bem e acaba se dando mal do mesmo jeito que o outro. Esse é um samba que gravei em blues, porque gosto muito dessa relação do blues com o samba. Acho que eles têm uma afinidade muito grande. Ambos vêm de um universo de muito sofrimento, muita dor, mas também, ao mesmo tempo, de muita festa, de muita alegria. Vinicius de Moraes, no ‘Samba da Benção’, dizia que o samba é a tristeza que balança. Colocando a tristeza no suingue, quer dizer, o blues tem essa tristeza. Caetano já tinha dito também que o samba era o pai do prazer, filho da dor. A mesma situação. Fiz ‘Profissionalismo É Isso Aí’ com o Aldir para a banda Black Rio, lá nos anos 80. Na época em que a banda ainda tinha como seu líder o saxofonista Oberdan Magalhães. Eu a gravei também num álbum chamado Bandalhismo. Agora quis reler esta música em forma de blues, quer dizer, trazendo esta tristeza mais explícita. Hoje em dia, o malandro corre o risco de, ao praticar malandragem, também ser pilhado da mesma mesma forma. Isso é a vida, a escola da vida, profissionalismo é isso aí, as pessoas vão aprender a se defender, esta é a história deste samba.” My Favorite Things “‘My Favorite Things’ é uma canção de compositores americanos bem conhecidos [Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II], que sempre fizeram músicas para trilhas de cinema bem conhecidas. Esta canção está no filme A Noviça Rebelde. Era o momento em que a babá das crianças está dentro de um quarto, tentando distrair as crianças em função de uma tempestade com raios, trovões, relâmpagos, que está acontecendo do lado de fora da casa. Então ela canta esta canção para distrair as crianças. Esta canção acaba sendo extraída desse lugar pelo John Coltrane. Um tempo depois, ele faz uma releitura desta canção tocando um sax soprano como se esta canção fosse jazzística. Não é mais uma música que pertence a aquele universo infantil, onírico, mas sim uma canção que vem pro mundo do jazz, exatamente um mundo em que existe o vício, a droga, o perigo. Uma canção que ganha uma outra atmosfera, uma outra existência. Adoro as duas e de repente eu quis trazer para este espaço do violão brasileiro. Fiz também uma leitura de voz e violão de uma canção americana, estrangeira, mas tratando-a dentro de um conceito da nossa cultura local, nossa cultura nacional, nosso jeito de ser. Também numa língua ‘onomafrobeico’, que é aquela língua que eu falo com uma certa fluência e faz parte da minha música, vem de dentro da casca do meu violão, e tudo isso se transforma numa leitura muito peculiar, pessoal. Minhas coisas favoritas aqui do Brasil.” Senhoras do Amazonas “‘Senhoras do Amazonas’ é uma parceria minha com Belchior. Fiz esta canção muito em memória das coisas da época em que eu ouvia muito Heitor Villa-Lobos. Ele tinha uma suite que se chamava ‘A Floresta do Amazonas’. Adorava essa suite. Pedi ao Belchior que escrevesse este texto, e ele então escreveu ‘Senhora do Amazonas’. A primeira gravação que fiz desta música foi com o Radamés Gnattali. Por ser uma canção de origem sinfônica, também achei que a primeira gravação que nós fizemos foi dada a ela um tratamento sinfônico. Radamés Gnattali escreveu este arranjo sinfônico e nós gravamos. Mas a música para mim nunca está inerte, para mim ela está em repouso. Vira e mexe você retoma para ver o que ela pode ainda te dizer. Retomando esta música, acabei descobrindo uma maneira muito interessante de tocá-la ritmicamente, tirando-a do conforto sinfônico e trazendo-a para o mundo percussivo e instrumental. Fiz essa gravação para Sérgio Mendes no álbum Brasileiro, que ganhou Grammy. Gravei esta canção com ele fazendo uns arranjos nos sintetizadores. Achei muito pertinente trazê-la para Abricó-de-macaco com essa releitura, em que eu, Ricardo Silveira, Guto Wirtti e Kiko Freitas fazemos uma releitura com solos, com contrapontos, a voz emitindo improvisações melódicas, a guitarra respondendo.” Água de Beber “Sempre adorei este samba. Primeiro pela história que o Vinicius contava, que essa água aí não é a água que a gente bebe [risos]. Essa água ele chama de Aquavit, que é uma aguardente da Noruega, então faz todo sentido. Tive a oportunidade de experimentar essa Aquavit uma vez lá em Ilhéus, na Bahia, numa pousada de um sujeito que tinha passado anos morando na Noruega. Ele tinha meia garrafa dessa Aquavit, e tomamos. Realmente o negócio é barra pesada, você toma aquilo e acaba confessando até o que não fez. Aí achei que agora eu tinha essa alforria para poder gravar ‘Água de Beber’ porque sabia o gosto dessa água. Trabalhei nesta ‘Água de Beber’ porque Tom Jobim faz aquela abertura ao piano, com o instrumental. [João Bosco canta a introdução da música]. Comecei a desenvolver esse mantra que você pode ficar improvisando melodias ali, não ser apenas uma introdução da música, mas essa introdução acaba ganhando um papel fundamental dentro da música. Fiz aquele violão que é a memória que me traz muito o Baden Powell para perto, me lembra muito o Baden tocando. Não sei se tem a ver com o Baden, mas para mim lembra muito o Baden tocando aquele violão vigoroso, meio africano. É uma música com toda uma atmosfera bossa novista, mas aí ela acaba ficando mais africana, quase um afro-samba. Gostei muito de ter gravado esta música, porque penso nela há muito tempo, mas só me senti liberado para fazê-lo quando bebi a água da qual este samba fala.” Chora, Chorões “No DVD, eu estou muito inclinado a fazer um negócio reflexivo sobre Brasil e sua sonoridade, pensando em termos de nação, em tudo que cabe dentro dessa nação, então não poderia gravar um trabalho como este sem um samba-enredo, que é algo característico da região do Rio de Janeiro, característico dos morros cariocas, característico do asfalto onde as escolas desfilam suas histórias. Peguei um samba-enredo que era importante fazer parte desse universo, principalmente um samba-enredo que tivesse a origem desse ambiente desses autores característicos desse gênero musical. Lembro que em 1985 fui à avenida para ver o carnaval e descobri este samba-enredo. Era um samba-enredo da Estácio de Sá, quem estava interpretando este samba enredo era Dominguinhos. Ele passou tanto tempo na Estácio de Sá que passou a ter o nome de Dominguinhos do Estácio, embora hoje ele não mais interprete as músicas da escola. É um samba-enredo que escolhe como tema homenagear o choro, o que é uma ideia muito insólita, muito diferente para a avenida, porque resulta num samba muito melodioso, com uma cadência muito diferente da cadência do samba-enredo de hoje, que é um pouco rápido demais. Ele fala de um gênero importantíssimo e característico do Brasil, que é o choro. Neste choro ele acaba homenageando o Pixinguinha, que é um grande autor desse gênero de música, como por exemplo o ‘Urubu Malandro’, que é citado no final desse samba. É um samba que, se você reparar na estrutura da letra, ele não fala da escola pela qual ele está desfilando, ele nem fala da Estácio. Ele fala do choro, dos instrumentos, das notas, da melodia. É um samba primoroso. Achei que esta seria uma escolha muito legal de estar neste Abricó-de-macaco. Forró em Limoeiro “Acho que a minha vida depende muito de Jackson do Pandeiro e de Clementina de Jesus, duas pessoas que têm muita influência no meu modo de criar situações rítmicas, polirritmia, isso tudo vem de Jackson e Clementina. No caso do Jackson, ano passado [2019] foi o centenário do Jackson. E os meninos, Moyseis Marques, João Cavalcanti e o Pedro Miranda, me chamaram para fazer uma homenagem ao Jackson junto com eles no Circo Voador. Lógico que aceitei de pronto e passei na casa deles para dar uma ensaiada no que a gente ia fazer, foi na casa do Alfredo Del-Penho. Lá me lembrei que tinha gravado, no álbum chamado Da Licença Meu Senhor, ‘Forró Em Limoeiro’, com o Sivuca. Tive uma ideia para gravar ‘Forró Em Limoeiro’ em que o acordeão ia ficar bem solto, com espaço para improvisações, e o Sivuca tinha aquele jeito de tocar, às vezes emitindo sons vocais junto com a mão direita da sanfona, era uma coisa belíssima. Me lembrei dessa gravação e comecei a mostrar como seria. Como eles eram quatro, tive a ideia de repartir com eles intervenções dentro de ‘Forró Em Limoeiro’, mas com outros autores nordestinos que fazem parte desse universo do Jackson. Então aí entrou ‘Galope’, de Gonzaguinha, entrou ‘Morena do Grotão’, de João do Vale. Foram entrando músicas desse universo, com cada um deles fazendo uma parte. Essa foi a maneira que achamos pra se juntar e participar de uma coisa coletiva, mas cada um com uma contribuição individual. Acabou virando uma coisa linda, em que outros autores da música nordestina são citados dentro dessa suíte.” Tanto Faz “‘Tanto Faz’ é um samba bem clássico brasileiro, um samba que você escuta dos grandes compositores: Nelson Cavaquinho, Cartola, Paulinho da Viola. Todos esses compositores. Ele está naquele álbum Não Vou pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão, que fiz também com o Francisco Bosco. Talvez seja a música que a Anat Cohen mais gostou de tocar. Esse samba vai para o álbum porque é bonito, porque o samba fala: ‘Outra vez eu vou partir. Saio do jeito que eu vim. Sem dever nada a ninguém. Sem nada pedir’. Que é um pouco a vida que a gente tem. Ao longo de todos estes anos, toda hora a gente vai e volta, recomeça. E é bonito, você já no final do DVD cantando que está indo embora mais uma vez e conta aquela história, aquela relação. Muitas vezes o amor acaba antes do fim, mas tem que acabar. É um samba que fala do amor dentro da atmosfera de um samba bem clássico, com aquela categoria, com aquela elegância. É um samba que está se despedindo, quase ali no final do DVD, e que coincide com uma das músicas que Anat mais gosta de tocar, foi bonito você estar com uma clarinetista estrangeira tocando uma música como ‘Tanto Faz’.” Pagodespell “A história do ‘Pagodespell’ é muito engraçada. É um samba que começa com Caetano Veloso, porque ele tinha musicado um poema de Oswald de Andrade chamado ‘Escapulário’. É o poema que diz: ‘Dai-nos, Senhor, a poesia de cada dia’. Quando lembro de ouvir esta música num dos álbums do Caetano, fiquei muito fascinado por aquilo. Era tão curto e tão bonito, aquilo ficou na minha memória. Aquele fragmento de samba, aquele poema. Na época em que eles tinham aquele programa de TV, Chico e Caetano, eles me convidaram para participar, e logo me lembrei daquele samba. Aí perguntei para Caetano se poderia trabalhar naquele samba de uma forma que pudesse alongar, criar mais situações naquele samba, e eles mesmos seriam os motoristas das coisas que surgissem depois daquela parte já existente. Ele achou a ideia ótima, e então compus aquelas partes da música que vem: ‘Joaquim José me chamou prum canjerê’. Depois vem o ‘quem rezou, rezou’. Depois ainda vem outro poema do Oswald para fechar aquela espécie de partido alto. Então eu musiquei ‘Relicário’, quando ele diz, ‘foi o Conde d'Eu quem disse’. Conde d’Eu porque brinquei com a música do Chico em que ele diz, ‘diz que deu, diz que dá’. Fechei com esse outro poema do Oswald para dar um equilíbrio à história. Acabou virando um pagode gospel, já que ele tem essa coisa religiosa, porque desde o primeiro poema fala: ‘No Pão de Açúcar de cada dia. Dai-nos, Senhor’. Depois segue para: ‘Quem rezou, rezou. Quem não rezou, não reza mais. Há tantos mil Corcovados no cais. Cada um carrega um Cristo e muitos carnavais’. Virou aquele pagode religioso, pagode gospel, que virou ‘Pagodespell’. Gravei com Martinho da Vila e neste DVD os quatro também cantam comigo, porque é um espaço perfeito para a gente fazer algo coletivo, como uma espécie de oração, para que as coisas possam ficar melhor. Para que esse Cristo e essa cruz possam nos trazer mais inspiração. Mais poesia, mais música, mais qualidade, mais tudo de bom que a gente possa criar. Para que a gente possa ver uma sequência, possa ver o horizonte.” Pot-Pourri: Blue In Green / Transversal do Tempo “‘Blue in Green’ é uma música de 1959, de Miles Davis, do álbum Kind of Blue, uma música que ele faz com Bill Evans. Transversal do Tempo foi até título de um álbum da Elis, que eu gravei também no meu álbum Galo de Briga. Uma música que fala do tempo, você fechado dentro de um táxi imaginando as coisas. Achei que no meu tempo está ‘Blue in Green’, do álbum Kind of Blue. Me lembro desse álbum ainda em Minas Gerais. Por ser um blues e ‘Transversal do Tempo’ também ser um blues, achei que trazer esse tempo para aquele tempo era um pouco regular na minha memória, quer dizer, é como se a minha memória se fechasse num ciclo de um tempo que está lá atrás e chegando a um tempo que está agora. Achei bonito abrir com ‘Blue in Green’ e falar de ‘Transversal do Tempo’, que é uma música que fala do tempo, trazer o tempo para dentro da música. É uma forma também de você trazer os músicos que trabalham com neste DVD para também expressarem os seus sentimentos em refrão. Os sentimentos durante esta gravação, este momento que vivemos juntos. Eles também expressam tudo que estão sentindo ao gravar este DVD.”

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